Fernando Andrade entrevista a escritora Gracia Cantanhede

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FERNANDO ANDRADE: Como foi construir a personagem narradora dentro de um universo tão hostil às mulheres como uma família patriarcal e machista?

GRACIA CANTANHEDE: Fernando, cresci no interior de Minas Gerais, em uma pequena cidade. Ali, convivi com todo tipo de gente. Conhecia todos os habitantes da pequena comunidade. Ouvi muitas histórias, aprendi a analisar o comportamento das pessoas.  Os absurdos cometidos contra as mulheres sempre me chocaram. Acrescente-se a isso o fato de minha família (por parte de pai) ser italiana. As mulheres eram proibidas de quase tudo. Havia o machismo enraizado em todas as pessoas, até nas próprias mulheres. Construir a personagem dentro dos conhecimentos que eu tinha foi simples. Bastou atiçar a lembrança dos meus tempos de menina. Mas ainda  ouvi algumas mulheres nordestinas também. Tirei a essência do livro observando as moças que vinham do nordeste trabalhar em casas de família e deixavam seus filhos com as mães, muitas vezes. Nesse sentido, o filme “A que horas ela volta” também foi fonte de inspiração. Encontrei uma dessas retirantes nordestina que me deu as informações mais importantes sobre a personagem. O livro é baseado em fatos reais.

FERNANDO ANDRADE: Que traços de outras personagens femininas na literatura nacional ou estrangeira você se inspirou para a criar a sua?

GRACIA CANTANHEDE: A personagem Biela, de Autran Dourado foi uma delas. Também usei das lembranças de infância. Minha mãe contava muitos casos sobre as famílias antigas, desde o tempo da escravidão. O filme “A que horas ela volta” também foi referência. Tenho muita influência do cinema nacional e estrangeiro.

FERNANDO ANDRADE:  A estrutura de seu romance é bem visual, ele pode sem dúvida se transformar numa série ou filme. Que elementos você acha mais visuais dentro da trama que possibilitem uma adaptação?

GRACIA CANTANHEDE: A descrição das  paisagens dos Estados nordestinos me parecem bem fortes, inclusive a seca. A personagem pintora e suas obras de arte, creio que também é interessante para o desenvolvimento de uma parte do enredo. As cidades por onde a personagem passa, até chegar a São Paulo e seus pontos turísticos.

FERNANDO ANDRADE:  Os jogos infantis parecem criar um efeito de fábula para nortear a dureza do sertão onde a personagem se criou. O que o jogo cabra-cega empresta ao desenvolvimento da trama?

GRACIA CANTANHEDE:  É um jogo que envolve crianças e adolescentes em uma roda e depois se dispersam em fuga. Apenas uma das crianças é  vendada e vai em busca  de outra presa que será colocada em seu lugar. É o que sempre  fazem os nordestinos pobres, em busca de uma vida melhor. Uma metáfora da vida real. Eles fogem das durezas e das adversidades da terra natal. Só mesmo vendada a pessoa fica ali, às cegas, tateando, no sertão e suas agruras.

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