Fernando Andrade entrevista a poeta Bárbara Mançanares

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FERNANDO ANDRADE –  Cartografar a natureza, ou o entorno, não seria o mesmo de fazê-lo com o corpo humano? O corpo tem suas latitudes, contornos, fronteiras. O espaço do corpo pelo qual o corpo deseja: rios, mares, matas, é um estado do querer, da latência, mas também um estado poético-sublimático?

BÁRBARA MANÇANARES – Penso o corpo humano como penso a geografia – território. E por ser território também é cartografável. Não a cartografia das precisões, mas a dos afetos. Os atravessamentos no corpo-espaço, nesse sentido, são latência, estado poético, mas também materialidade.
Assim como o corpo se inscreve no território e deixa suas marcas, o território também se inscreve no corpo.

FERNANDO ANDRADE – Parece-me que seu desejo pela linguagem é sondar-cuidar-desejar as substâncias que provocam a sublimação na alma da gente, como um pôr do sol. Seria um jeito de se encantar pelas palavras ou pelas imagens que cuidam do caminho ser- meio – natureza. Fale um pouco disso.

BÁRBARA MANÇANARES – A poesia é magia e espanto com o mundo, e no poema a gente pode experimentar sensações e formas de encantamento através das imagens. Me interessa, no momento, explorar imagens que coloquem o corpo-território e a geografia do mundo como algo autônomo, que experimenta a vida pelos sentidos e não somente pela racionalidade. Por isso a cartografia dos afetos, um mapa que só pode ser suspeitado porque as linhas tracejadas dançam no papel. Gosto de brincar com as sobreposições do eu-lírico sobre a natureza e a natureza sobre o eu-lírico em uma espécie transe pela repetição das palavras, criação de verbos.

FERNANDO ANDRADE – As relações familiares passam por uma relação que é muito distante de uma nomeação de uma cidade, com aquele núcleo familiar tradicional. Há na sua poesia, uma relação, causal, com o arcaico, antigo, ancestral, muito longe da civilização de um edifício, numa cidade ou metrópole. Como as relações afetivas se constroem na sua poética?

BÁRBARA MANÇANARES – As cidades, os centros urbanos, as vivências nesses espaços são plurais. Viver no interior também é uma experiência urbana, ao mesmo tempo que a vivência nos grandes centros também é atravessada por aquilo que se entende por interior. Digo, o interior não é essencialmente “rural”, assim como a capital não é essencialmente “urbana”. As diferentes formas de experimentar a temporalidade e os espaços coexistem, e podem ser acentuados em partes de uma mesma geografia.

Cartografar o corpo e o lugar que se habita também é uma forma de cartografar as relações familiares, aquilo que é passado de geração a geração, o que é repetido, mas também rompido ou reformulado. Embora eu fale de um ambiente interiorano e da força que esse tipo de paisagem evoca nas relações das pessoas com o mundo de fora e o mundo de dentro, com aquilo que afeta, penso todos os territórios como ancestrais.

FERNANDO ANDRADE –  A linha que borda é a linha que transborda na página como fio que enreda palavras, imagens, frases, orações. Qual seria a diferença entre cerzir um tapete, uma roupa, e cerzir um texto poético?

BÁRBARA MANÇANARES – Gosto de compreender a poesia como algo que está. Ela reside no olhar que a gente lança sobre o belo e o terrível das coisas e pode se desdobrar em um poema ou não.
Como disse Adélia Prado “a poesia é o rastro divino na brutalidade das coisas”. Nos últimos anos tenho olhado para o bordado e para escrita como formas de acessar a poesia, como experiências poéticas que me ajudam a suspeitar o mundo. As vezes penso que esses dois ofícios se complementam e, em outros, que são uma coisa só. Bordar e costurar são formas de escrita assim como as palavras dispostas na página.

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