Livro de contos ‘Insônia tropical’ ressignifica a potência do sonho e da fantasia com libido para a vida | por Fernando Andrade

Jose Petrola - Livro de contos 'Insônia tropical' ressignifica a potência do sonho e da fantasia com libido para a vida | por Fernando Andrade 

 

Fenando Andrade | jornalista e crítico de Literatura

No sonho não há fronteiras como um mapa onde uma região começa e termina quando a outra se inicia. No sonho há, sim, cortes, como um filme, porém, sem começo meio e fim. São cenas onde os símbolos comandam uma espécie de desejo inconsciente. Para os humanos que vivem com olhos abertos, acostumados ao mundo onde há princípios, meios e fins, só a escrita pode embaralhar todas as noções de realidade por onde o homem trilha certo destino.

Mas se sairmos deste trilho de predestinação, casa, trabalho e família, parece costurar a lavra de todo ser da espécie?
É um trabalho de desconstrução do homem insatisfeito com a máquina burocrática capitalista.
O homem cansado que trabalha tanto que à noite não dorme por ter o corpo moído das contaminações sociais da sua rotina diária. Quando li o livro Insônia tropical do escritor José Petrola pensei na relação entre filosofia e sonhos, onde a ficção parece um tipo de devaneio acordado.

Neste seu segundo livro, o autor divide a temática do homem insatisfeito em quatro seções muito próximas uma da outra e que dialogam entre si. Partindo do homem imaginoso, temos na abertura do livro um conto onde as referências geográficas se aglutinam pela necessidade da fantasia, ou da imaginação desvincular as fronteiras do medo e da angústia da vigília.

Lisboa imaginada, por exemplo, é um passeio quase como Fernando Pessoa e seus personagens por uma Lisboa topográfica e onírica. Sair do corpo não é apenas levitar, mas sim, criar um espaço para a caminhada fantasiosa da ficção. O eu se desloca de acordo com seus desejos, perante o mundo concreto. Nesta primeira seção há uma necessidade de não ter pegadas sobre localizações dos personagens. Situam-se o campo da experimentação das imagens surreais.

Mas o processo do desejo se esbarra num certo princípio da realidade. Onde o chão do lugar, da terra, das fronteiras, dizem mais do homem principalmente masculino. Petrola faz na segunda seção, uma costura de impedimento da fantasia pela violência da cultura, onde certas regiões, principalmente, onde há certas tradições antigas e conservadoras. Aqui os contos nos revelam mais sobre o comportamentos sociais ligados à pulsão da morte pela via do machismo, da tradição secular da ordem do patriarca. O homem não sonha, ele obedece à desígnios de uma tradição primitiva de ordem e violência.

Na terceira seção o livro de Petrola começa uma conexão de perpendicularidade com certo espaço urbano. Aqui não é mais a violência latente do sertão que dita normas e regras, mas sim, uma simbólica sobre as relações de gêneros, de classes, que atuam muito mais pelas palavras do que ações normativas. O autor passa este Brasil, em um compasso quase geométrico, falando das ambivalências com relação entre uma violência tanto física quanto emocional na estrutura psíquica de jovens, e crianças. É uma estrutura social deformante, nada individual, que parece que prega uma coletividade padronizada da barbárie.

Mas há uma certa latência de escape? Ao nos deparar com os contos da quarta parte. Onde o exercício de caminhar parece um lugar de reflexão sobre o estado passivo da sociedade. Aqui o eu errante rasga a cidade em busca de uma geografia que na primeira parte é mais simbólica, através de suas andanças, nestes contos, temos o Rio, e o espaço das florestas como um veia aberta de válvula de escape de tensão simbólica da agressividade dos atos humanos com relação ao outro, entorno. Petrola faz um espécie de cartografia do caminho do homem contemporâneo dentro de uma malha de relações sempre simbólicas de afeto. A quarta parte seria então sua redenção através de uma jornada cidade à dentro.

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