O AVESSO ABSTRATO DAS COISAS: A LINGUAGEM PÓS-MODERNA DE RAFAEL OLIVEIRA | por Paulo Rodrigues

avesso abstrato das coisas poeta brasileiro rafael oliveira - O AVESSO ABSTRATO DAS COISAS: A LINGUAGEM PÓS-MODERNA DE  RAFAEL OLIVEIRA | por Paulo Rodrigues

“o pôr do sol não cabe na memória”.
Rafael Oliveira

 

  Paulo Rodrigues | poeta e ensaísta

Chove nesta quinta-feira de julho de 2021. Eu releio O Avesso Abstrato das Coisas de Rafael Oliveira. A Editora Penalux de São Paulo fez um belo projeto de capa, com uma diagramação que enaltece as qualidades da obra. São cento e vinte oito páginas, que trabalham temas arredios, no entanto, o impacto de cada poema fica pulsando por muito tempo, na retina.

O acadêmico José Neres diz no texto de orelha: “cada uma de suas escolhas lexicais foram feitas sob medida para ensinar, emocionar e despertar em cada leitor uma incômoda sensação de estar sentindo na pele os diversos problemas aos quais estamos expostos pelo simples motivo de estarmos vivos”. Como nos ensinou Edgar Morin ao elaborar a tese sobre o pensamento complexo (são vários saberes no mesmo homem).
Rafael nos apresenta a poesia em amplidão – sem miopia, completa e sem efeitos colaterais.

Vai além. Abre o corpo humano com o avesso abstrato do sentir.

A pós-modernidade exige o fragmentário da linguagem como forma clara de enunciar o nosso tempo, a velocidade, o necessário. Rafael se aproxima desta mira.
Chega-se ao leitor, (fazendo revelações de sua profissão), ao passo que escancara incertezas e insuficiências em cada verso.

Vejamos no corpus em análise, os traços do nosso tempo. Quando observamos o poema Memória (OLIVEIRA, 2021, p. 67), notamos o fragmentarismo linguístico capaz de ampliar a força da imagem:

abro a terceira gaveta da vida

cicatrizes

o tempo é um extintor
vazio.

O sujeito lírico abre o cotidiano em gavetas. Observa as marcas das manhãs nos braços, na pele como um certificado filosófico do fluir interminável. Tanto que encerra com uma imagem arrebatadora: o tempo é um extintor vazio. O poema pula cenas para deixar na memória do leitor o intraduzível.

Localizo outra ocorrência em Velhice (OLIVEIRA, 2021, p. 83):

não se sabe onde
será o fim

o começo
já ficou no passado

a vida é uma soma
de lembranças.

Há uma aproximação temática e formal com público, tipicamente desta quadra histórica. O poema, em verso branco, está distribuído em três estrofes de dois versos.
Dissidente e desafiador, convoca-nos para a decifração do tempo.

Poeta consciente do ofício. Consegue dribles desconcertantes. Estou convicto que o tema central da poética de Rafael Oliveira é o tempo, embora apareça disfarçado em partos, ambulatórios e fraturas.

A linguagem pós-moderna está lançada no mapa físico da obra. A preferência pela coordenação, pela ausência de pontuação, pelo início dos versos com letras minúsculas e pelos saltos nas imagens poemáticas.

No poema Envelhecimento (OLIVEIRA, 2021, p. 107), o autor apresenta todas as características citadas. Amplia-as com a lucidez típica do contemporâneo:

na gaveta da oração
guardam-se esperanças

a vida sempre pede mais
distâncias

as mãos lapidam
os anos.

A poesia passeia de mãos dadas com o tempo. Crê na amplitude da palavra. Imprime ritmos, imagens, metáforas e o próprio caos no qual estamos abandonados.

Qual o sentido da poesia, então?

Atravessar a linguagem com o “avesso das coisas”. Serve também para fabricar objetos de pontas para atravessar o tempo insubmisso, nos responde Rafael Oliveira.

 

Paulo Rodrigues Poeta Brasil - O AVESSO ABSTRATO DAS COISAS: A LINGUAGEM PÓS-MODERNA DE  RAFAEL OLIVEIRA | por Paulo RodriguesPaulo Rodrigues (Caxias, 1978), é graduado em Letras e Filosofia. Especialista em Língua Portuguesa, professor de literatura, poeta, jornalista. É autor de vários livros, dentre eles, O Abrigo de Orfeu (Editora Penalux, 2017); Escombros de Ninguém (Editora Penalux, 2018).
Ganhou o prêmio Álvares de Azevedo da UBE/RJ em 2019, com o livro Uma Interpretação para São Gregório.
Venceu o prêmio Literatura e Fechadura de São Paulo em 2020, com o livro Cinelândia.
É membro da Academia Poética Brasileira.

 

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