Fernando Andrade entrevista a poeta Diana Pilatti

Diana Pilatti - Fernando Andrade entrevista a poeta Diana Pilatti

 

FERNANDO ANDRADE: Seus poemas funcionam como uma potente escuta ao leitor que tem um forte elo sobre o labor poético. Aqui e relação entre a linguagem poética e leitura adquiri uma atividade muito dialógica sobre até a própria criação literária. Fale disso.

DIANA PILATTI:  A metalinguagem é algo que me encanta. O poema que fala sobre ele mesmo, que fala sobre a poesia e sua construção.

 

hermética em si

uma palavra

carrega o ermo

espaço-tempo

desterro que não se doma

 

Quando penso nesta ideia de língua/linguagem enquanto um fenômeno social indissociável, que forma e é formada pela sociedade, base para as nossas relações com outras pessoas e o mundo, fica claro pra mim o poder que a palavra possui. E quando penso na Arte como uma forma elaborada de comunicar, uma forma íntima e ao mesmo tempo coletiva, sendo linguista e poeta, unir estas ideias de língua/linguagem e arte transformadas em poesia, compõem um conjunto belíssimo.

Em contra partida, já me disseram que usar a metalinguagem na literatura está “desgastado”. É possível… mas como eu não ligo, continuo escrevendo porque gosto.

FERNANDO ANDRADE: Queria que você falasse sobre este leitor dos seus livros. A carta sempre é um veículo para alguém em especial. Um leitor cuidadoso que tem intimidade ou não com o poeta que escreve. Esta relação íntima entre quem faz das palavras, afeto, e quem as ouve, parece ser uma das artes da sua poética. Comente.

DIANA PILATTI: Ouvi em diversos momentos, principalmente em cursos sobre Literatura e escrita, que um bom poema deve estar em terceira pessoa. E por muito tempo eu, durante o processo de lapidação do texto, trocava a pessoa do discurso de primeira para terceira, acreditando ser isso o correto. Este processo era pra mim muito custoso, não pelo trabalho da correção em si, mas porque o poema já não parecia mais o mesmo, perdia algo de belo, sensível, íntimo… Neste percurso de transformar o poema em algo que não gosto para atender uma exigência em nome de uma suposta qualidade, comecei a sentir que faltava algo, sentia uma necessidade enorme de conversar sobre o poema, sobre a palavra que nele se molda, sobre o sentido que se escapa para a entrelinha, sobre a rima ausente nos meus descompassos. Foi quando me encontrei com a poesia de Hilda Hilst. E sempre digo que existem duas Dianas, uma antes e outra depois de Hilda. Uma poesia forte, cheia de significados, e ao mesmo tempo leve, confidente e (muitas) em primeira pessoa. Lembro que disse algo do tipo “Quem são estes fiscais do poema alheio perto de Hilda Hilst?!” e fiz dela minha inspiração. Durante o ano de 2019 e o começo de 2020, escrevi vários poemas que chamei de “Cartas”, dialogando com este leitor-amigo-poeta, contando-lhe sobre o tempo, sobre a saudade, sobre os amores e sobre minha própria palavra deixa delicadamente sobre o papel:

 

trago um pensamento desmesurado

meu querido amigo

então assopro esta poesia

que não é mais minha…

  

FERNANDO ANDRADE: O desejo, o afeto parecem como fortes elementos de comunicação entre os seres, nos seus poemas. Como são estes afetos trabalhados, dentro da sua linguagem muito corpórea e sensorial?

DIANA PILATTI: Sentimos o mundo com nosso corpo, perfumes, sabores, texturas… E desde a infância vamos assimilando a linguagem e somos estimulados a relacionar cada palavra a um objeto, uma cor, um sentimento, separar o cheiro ruim do cheiro bom e, naturalmente, o gosto que apreciamos do resto (risos). E tudo isso acontece simultaneamente, não temos a caixinha do paladar separada do olfato, por exemplo, quando sentimos um cheiro bom de comida, a memória aciona em nós a lembrança daquele gosto delicioso e a boca enche de água… Então, eu não conseguiria elaborar sobre qualquer sentimento sem estar em sintonia com meu próprio corpo: para falar de desejo é preciso remeter ao tato que incendeia minha pele líquida / ao seu toque de verão / solstício” ou para falar sobre felicidade é necessário o remeter ao sorriso e ao corpo leve a ponto de flutuar como numa pintura de Marc Chagall:

 

presa na íris do seu olho

uma palavra flana leve

dente-de-leão

 

e não há cerimônias

para o sorriso lento

que se desprende da minha boca

 

                                          encontro

 

Por isso o livro Palavras Diáfanas se compõe desta poesia corpórea e sensorial, e por vezes sinestésica.

 

FERNANDO ANDRADE: Há uma voz reconhecível de outros poetas lidos\escritos por você. Como se houvesse uma linhagem sobre o ato da escrita. Quem são? E como você traça esta senda de transmissões entre os que já foram experienciados por você. 

DIANA PILATTI:  A leitura faz parte do processo de escrita, não consigo separá-los, é estranho ouvir algumas pessoas dizerem que já leram muito ou já leram o suficiente… Eu sempre acho que li pouco, preciso ler mais, e há tantas coisas para ler que uma vida só não basta. Ao ler um poema, aprendo e muitas vezes algo aciona-se aqui dentro e quero escrevo uma ideia ou um esboço no papel. Depois de um tempo, volto a este rascunho começo a trabalhar a ideia para transformá-la em poesia (ou desisto e jogo fora, o que acontece muito mais). Em outros momentos acontece o inverso, escrevo um poema que, depois de um tempo, me faz lembrar algo que li em algum momento da vida, procuro os versos lidos e os uso como epígrafe. Gosto de ver como estes textos dialogam e exercito, sempre que posso, maneiras diferentes de estabelecer estas conexões poéticas. São muitos os meus autores preferidos, talvez eu seja até injusta e esqueça algum ao tentar listá-los. Então, gostaria de deixar sugestões de leitura, dentre os autores consagrados: Hilda Hilst, que já citei anteriormente, Alejandra Pizarnik e Manoel de Barros, e autores contemporâneos: Nina Rizzi, Bruna Mitrano, Tânia Souza, Tito Leite, José de Castro, e vários outros que atravessam o livro.

 

no viés da palavra

[desfaço nós]

sem pronúncia: sou outra

 

“na curva extrema do caminho”

despedida

[e em teus adros

meu nome

totem profano]

 

 

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