Fernando Andrade | escritor e crítico de literatura
O que deve nos dizer quando alguém fala, a pessoa é do seu círculo. Uma esfera onde o que tem dentro, o núcleo que pode ser tanto o familiar quanto um núcleo profissional, referente ao seu trabalho. O que tem dentro é reconhecível, aceito, normatizado. Este conceito matemático nunca foi tão aceito nos relacionamentos sociais, onde aquele pode estabelecer relações de prática, afeto, trocas, equivalências. Mas quando estamos imersos na escrita ou na prática, podemos afirmar que um texto é um círculo de outro que vem antes? O que virá depois? É possível no exercício da escrita cuja feitura se faz pela completa solidão, e renúncia, falar que se está atrelado à alguma esfera social, ou familiar. O escritor, ele só tem seus dedos, e seus pensamentos, para compactar a massa disforme do texto. Ele é antes uma linha perpétua de fuga que caminha ou anda por sobre este universo em desencanto.
Um deslocamento de signos e ideias atropelando o consensual, a mesmice, até a caretice. Está de raiz onde o pensamento brota de seu fundo, mas quando na superfície se ramifica por toda a área quadrada ou não, criando possíveis lastros onde o drama, o acto, se faz uno e presente. Quando leio o último romance do escritor Jorge Sá Earp, As amarras, ( 7 letras) já reflito pelo nome, esta potencialidade de nomear e até reter esta circularidade por onde passam as relações sociais. Mas o drama, se for longe, pelas vias do teatro, escapa deste fio enredante preso a qualquer labirinto que não for a memória.
Jorge cria um personagem camuflado por suas cores sociais e querendo exalar certo mimetismo de imagem por ser de uma família conservadora. Tem um traço perfeito de um desenhista arquiteto, mas seus contornos parecem ser mais dúbios e metaforizados na cena da linguagem verbal do teatro. Numa escrita muito voltada ao palco, Jorge tece um universo muito próximo a Nelson Rodrigues, revelando certas frequências da hipocrisia da cultura brasileira em ter um plano público para suas feições e ações e outro privado para suas neuroses e manias. Mas elas acabam se misturando numa perfeita sincronia do ser ou não ser. Eusébio, personagem narrador casa-se com Aglaia, antiga amiga de muitos círculos atrás.
Mas ele está atrás de outras formas de se apegar ao corpo e desejo, exatamente criando suas lacunas sexuais com Fabiano, ator que nutre certa atração sinestésica, nele. A máquina do jogo teatral, onde as facetas e lados parecem ter uma tridimensionalidade de refletir luz e sombras por onde o espaço cênico se forma, parece uma veia do próprio personagem. Ele vai montando a cena de uma certa relação para quebra-cabeças, onde as peças tentam se conectar nas rachaduras que virão do plenamente social. Mas até quando as máscaras sustentarão o rosto do ator performático? Esta questão vem com o exercício da leitura deste saboroso livro.
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