FERNANDO ANDRADE: Há no seu romance uma espécie de tradução do coro grego, onde a história parece que conhece e se encaminha em seu fluxo de direção a certo destino. O leitor sente o feeling da condução de certa maneira pelo tratamento ao personagem? O perfil do personagem é muito bem montado por você. Comente um pouco a questão.
TITO LEITE: Na construção do personagem, pensei num nômade que conhece São Paulo e outros lugares do Brasil. Um sujeito que tem com a sua cidade natal uma relação de negação. Leonardo é um homem com talentos de artista e busca a liberdade como se fosse a sua única bandeira. O essencial foi desenvolver o seu núcleo emocional, de modo especial, como ele responde à determinadas situações, de um cotidiano dilacerado pela maldade dos homens de boa vontade. Refleti bastante sobre as suas contradições, muitas vezes, quanto mais complexo um personagem, mais interessante ele pode ficar.
FERNANDO ANDRADE: A violência é tratada de forma realista, mas o trabalho apurado da linguagem dá à narrativa um voltagem poética muito alta que cria certo movimento sinuoso pelo apuro com as palavras. Você acha que este traço poético fez que caminho na sua escrita do seu romance?
TITO LEITE: Os recursos poéticos exercem grande importância, isso porque, em Dilúvio das Almas a narrativa é dura, carregando toda brutalidade de uma sociedade que ainda conserva alguns costumes patriarcais. Sendo assim, uma linguagem lírica serviu como instrumento para não deixar a ambientação com grande brutalidade. Além disso, pensei em escrever um livro compacto, enxuto, sem nenhuma gordura. As frases curtas deram velocidade na narrativa, o que ajudou bastante.
FERNANDO ANDRADE: Como foi o trabalho estético de filigranar na sua narrativa toda uma tapeçaria musical poética sobre canção Popular Brasileira.
TITE LEITE: Pensei em canções que poderiam encantar o personagem, algo que chamaria atenção de Leonardo, por exemplo, a canção de Sérgio Sampaio, “não há nada mais tranquilo do que ser o que se sente”. Também queria algo para quem não tem medo de colocar o seu mundo em questão, assim, mencionei a banda Pink Floyd, quando o narrador protagonista diz: eu me negava a ser apenas mais um tijolo no muro. Nessa direção, procurei canções que tocasse no drama da existência de um homem que deseja rasgar todas as suas raízes.
FERNANDO ANDRADE: São Paulo é de uma intensidade poética com seus habitantes. Como Leonardo se localiza e se pertence dentro de Sampa?
TITO LEITE: Leonardo é um nômade, nunca fica muito tempo em lugar nenhum. São Paulo o seduz, pelo fato de que há várias tribos e muitas possibilidades de experimentar a vida como ela sangra, mesmo sabendo que nem todos voltam vivos de uma aventura. Ao mesmo tempo, essa cidade o incomoda pelo preconceito que ele passou como homem nordestino. O romance se passa no início da década de noventa. Às vezes, penso que o preconceito não é tanto contra o povo nordestino, é contra o pobre, o marginalizado, o excluído. Há um salmo que diz: “a ti eu deixei o pobre, tu serás a ajuda do órfão”. O triste é quando nas metrópoles encontramos uma maquinaria que não ajuda o excluído, ao contrário, um órgão de dizimação das minorias.
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