Marcelo Frota | escritor e poeta
Janelas, (Ed. Penalux, 2022), de Neysi Oliveira e Ana Luzia Oliveira é uma daquelas surpresas literárias deliciosas que poucas vezes a vida nos proporciona com tamanho impacto e grandiosidade. As irmãs Oliveira trazem em seus versos, simples e graciosos, as memórias de uma vida de escolhas, afastamentos geográficos e amor pela escrita.
Como mencionado no prólogo do livro, as irmãs casaram e tiveram filhos. Neysi mudou-se para o interior e Ana continuou no bairro de Vila Isabel, zona norte do Rio de Janeiro, morando na mesma casa em que crescera. A distancia entre as cidades, no entanto, não afastou as irmãs ou interrompeu seu amor pela escrita. Neysi escreveu poesias e história, as publicando em um blog, e posteriormente, em uma obra editada.
Ana também escreveu versos e história, que manteve em uma gaveta, as enviando, por mensagens, apenas para pessoas próximas.
Desta forma, nasceu Janelas: “Absorvendo as mudanças desse lar e de nossas vidas, nos propusemos à missão de escrever juntas. Como um diário escrito a quatro mãos, registrando o que as décadas nos trouxeram. Afinal, dividir foi o que nos coube por muitos anos: o quarto, as janelas, os brinquedos, as roupas, os amigos, a comida, poucas coisas eram só de uma ou de outra”.
Casa, poema que abre o livro, é uma reflexão doce sobre o lugar em que passamos a maior parte de nossas vidas: “A casa é útero/Acolhe, protege, oprime, expulsa/A casa é concha, calcária, oceânica/Traz dentro de si marés e tempestade/Míngua e volta a encher-se, a casa é mulher […].”
Ao afirma que “a casa é mulher”, as autoras denotam a importância daquelas que nos dão a vida, nos criam e são responsáveis por boa parte daquilo que nos tornamos quando adultos. Nossas avós, nossa mãe, nossas tias são nosso lar na infância, adolescência e vida adulta. A mulher é a nossa casa, o calor e o afeto da casa, a alma e o coração da casa. E não importa quanto o tempo passe, a memória dos momentos na casa da vovó, são sempre os momentos mais tenro das nossas lembranças. Era a vida mágica, dentro da realidade que estava porvir.
Março e seus versos sobre perda, cortam o coração e trazem a lembrança daqueles que hoje, estão ausentes: “Da minha mãe herdei pouco/Um jeito de olhar escuro/Que só eu e ela conhecemos/Março é um mês difícil/Mas sobrevivo […].” A semelhança com o ente querido que se foi, o segredo guardado por mãe e filha, a intimidade que nasce do amor, é a lembrança que fica, quando a partida é inevitável. É a vida e seus ciclos, que se abrem e fecham e deixam, memórias, que o tempo não apaga. Janelas, que o vento não fecha.
A leitura de Janelas, é uma montanha-russa de sentimentos e lembranças, das autoras, e também de nós mesmo, pois, tantas histórias que são delas, são também nossas, apenas com outros nomes, outros períodos de tempo, e outros desfechos. É um daqueles livros para se ler de uma vez, e depois revisitar poemas, redescobrir histórias, e relembrar das histórias que são nossas, e através delas, visitar familiares e amigos e se permitir viver a nostalgia de tempos agora distantes.
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