Fernando Andrade entrevista o escritor Mário Baggio

Mário Baggio - Fernando Andrade entrevista o escritor Mário Baggio

 
 
 
 

FERNANDO ANDRADE – Há uma força que eu chamo de “calma” nos seus contos, onde a dramaturgia se faz nos pequenos gestos carregados de sub textos, mesmo que não haja um conflito gritante, há sim, algumas leis que dão aos seus personagens pequenas mortificações, mal estares, que não levam à sustos enormes, mas que, como os russos faziam muito bem causam certa ebulição na alma deles. Como é seu desenvolvimento do personagem na ação do conto?

MÁRIO BAGGIO – Costumo chamar meus contos de “recortes de realidade” por serem, na maioria dos casos, pequenos, curtos, sem grandes conflitos. Tenho interesse em contar uma história sobre algo insignificante, comezinho, prosaico, e para isso preciso de alguns poucos parágrafos. Nesse sentido, meus personagens não demandam grande desenvolvimento, mas grandes reações a respeito do que lhes acontece. Não há muita psicologia nisso, mas reações à flor da pele. Sou fascinado pelas pequenas coisas da vida, às quais não damos muita atenção no dia a dia. Gosto de colocar uma lupa nas coisas pequenas e evidenciar o grandioso que existe ali.

FERNANDO ANDRADE – O teatro é lugar onde o drama se movimenta não só pela palavra, acesa, mas, também pelo espaço lúdico, da forma, do palco. Nos seu contos este espécie de playing com o texto, onde drama se horizontaliza para um certo lugar que vai ou não ser um espaço de entendimento ou não dos personagens e seus dramas. Queria saber sua opinião sobre esta questão?

MÁRIO BÁGGIO – O teatro é a arte da palavra, mas também do gesto, do corpo, da voz, do som, do olhar, do silêncio. Nos meus contos, como disse acima, não narro grandes histórias, mas sim o detalhe que faz parte de algum grande acontecimento e que ninguém reparou. Fazendo analogia com o teatro, meu conto seria o olhar silencioso e cheio de significado que um personagem dirige a outro após um diálogo. Os romances narram histórias de maior porte, os contos, por sua própria estrutura, têm de elaborar a concisão para contar a mesma história, ou parte dela. Não tenho muito interesse em descrever cenários ou circunstâncias, ou mesmo dar muita informação sobre os personagem. Prefiro que o leitor, à medida que lê, tire a sua conclusão. Penso que o drama contido no conto, tal como num determinado tipo de texto teatral, valoriza aquele momento em que o personagem só olha em silêncio ou executa um gesto como reação. Esse olhar e esse gesto me interessam.

FERNANDO ANDRADE – Vi uma certa noção do estilo do gênero não literário, mas sim, quanto a um formação da sexualidade não binária de personagens que se montam pela complexidade de suas ações, e não por um maniqueísmo entre correção política, e certo desvario de comportamentos. Fale disso.

MÁRIO BAGGIO – A literatura, no meu modo de ver, deve ser transgressora. Penso que a questão de gênero é o elemento que mais se presta a isso. O politicamente correto é chato. É claro que o texto precisa ter um mínimo de coerência e lógica, e isso deve ficar explícito de maneira a situar o leitor dentro da narrativa. Eu sou do gênero masculino, mas não me sinto impedido de escrever um texto em 1ª pessoa no feminino, mesmo sem vivenciar em profundidade o “ser mulher”. Como escrevi acima, me importa mais a reação a um acontecimento do que o acontecimento em si, e posso fazer um exercício de imaginar a reação de uma mulher mesmo não sendo uma. “O cu de Clarice”, que está em “Antes de cair o pano”, é um conto de protagonismo feminino em que o personagem tenta reagir a um acontecimento que ela não entende muito bem. “O amante dessa aí”, também do livro, é outro exemplo de história narrada por uma mulher.

FERNANDO ANDRADE – Você lida com inúmeros tamanhos de narrativa do miniconto ao conto mais extenso. A criação entre eles varia conforme o procedimento a ser utilizado?

MÁRIO BAGGIO – Isso é bastante curioso. Quando decido escrever sobre uma ideia que me veio à cabeça, não penso no tamanho do texto, mas em contar a história. Em determinados casos, sinto que já disse tudo o que queria em dois parágrafos, ou em apenas um. Aí nasce um conto curtinho e não perco tempo em desenvolvê-lo para que ocupe mais páginas. Em outros casos, a minha escrita se alonga até eu concluir que contei o que desejava. Varia muito. Em meu último livro de contos, “Antes de cair o pano”, eu me exercitei mais nas narrativas longas, porque as histórias que queria contar pediram assim. Nos meus livros anteriores, a predominância era de histórias curtas. Tudo depende de como eu, como autor, desejo contar a história e de como a história quer ser contada. Já passei por situações em que forcei a dilatação de um conto apenas porque queria que ele ficasse mais longo. Ficou falso, artificial. Cortei tudo e deixei só um parágrafo. Naquele parágrafo estava tudo o que eu queria dizer. “Barulhinho” e “O menino que levita”, incluídos em “Antes de cair o pano”, são exemplos disso.

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