Fernando Andrade entrevista o escritor Valentim Biazotti

Valentim Biazotti - Fernando Andrade entrevista o escritor Valentim Biazotti

 
 
 
 
 
 

FERNANDO ANDRADE: Há um interessante cruzamento entre folclore e estilo narrativo no seu romance. É como se o folclore complementasse as linhas fantásticas das histórias. Fale um pouco disso.

VALENTIM BIAZOTTI: O folclore brasileiro é uma das grandes forças narrativas que temos em nosso país. Não apenas pelas histórias, mas pela própria tradição oral do povo; o povo, que repassa as narrativas para outras gerações, que causa espanto, sentido cômico, medo. O folclore sempre trouxe para mim o que Borges enfatiza muito: a necessidade da oralidade nas histórias que contamos.
Trazer não apenas o folclore, mas todas as possibilidades do elemento fantástico que acontecem no Brasil, é obrigar-se a pensar a narrativa que sai da boca de uma matriarca em frente à fogueira, um sertanejo em prosas com a morte.

FERNANDO ANDRADE: Como burilou a linguagem sertaneja forjando nítida cultura do interior?

VALENTIM BIAZOTTI: Perto de quem considero o grande mestre na arte da invenção da linguagem, Guimarães Rosa, sou apenas um aprendiz. Seguindo seus ensinamentos, a proposta de múltiplas vozes nunca foi a de representar a realidade de como e o que se diz. A ideia é que a linguagem seja mais uma camada das multiplicidades de identidades que rodeiam as narrativas do livro. A linguagem inventada de um sertanejo (em que misturei Mazzaropi, dicionários caipiras e regras do idioma francês) é um chamado para a oralidade de cada história. Burilar linguagens de quaisquer regiões do Brasil é um de meus grandes desejos para este primeiro volume e os próximos dois que serão lançados.

FERNANDO ANDRADE: Há relações de espelhos entre uma biblioteca onde se contempla a janela do conhecimento acumulado e a paisagem onde os eventos matutos e sertanejos acontecem.
Como é esta relação entre livros, o campo e o sertão?

VALENTIM BIAZOTTI: Este é um livro escrito prioritariamente durante a pandemia. No isolamento de nossas casas, aprendemos a viajar de outras formas, seja por meio de um livro, um documentário, conversas ou memórias. Inventar o fantástico não só sertanejo, mas de muitas regiões e momentos diferentes do Brasil, é uma das coisas que mais me encantam. Escrevendo este livro, pude viajar não pelos fatos, mas por possibilidades de um sertão, dos pampas, do solo pantaneiro, do cheiro do rio Acre (que nunca senti). Sempre me pergunto o que pode surgir de uniões improváveis. Muito do que imaginei pode ser visto como o casamento entre Darcy Ribeiro e Gilles Deleuze, Clarice Lispector e meu avô violeiro, Gabriel García Márquez e Maria Leopoldina.

FERNANDO ANDRADE:  Que tipo de referências historiográficas você pescou para escrever seu livro?
VALENTIM BIAZOTTI: Como desejaria ser um historiador para conseguir olhar minhas referências com mais critério, mais conhecimento, mais profundidade. A verdade é que coleciono fragmentos da história do Brasil (prioritariamente do Brasil) ao acaso, mas com atenção diária. A batalha de Guaxenduba, por exemplo, cenário de um dos capítulos do livro, me foi dado como presente desse acaso.
Não me lembro das circunstâncias em que ouvi sobre ela, mas o simples fato de pensar em Nossa Senhora transformando areia em pólvora… A história que me chega de forma imprevisível é minha inspiração direta para as estórias.

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