Fernando Andrade entrevista a escritora Beatriz Aquino

Beatriz Aquino poemas para afagar o caos editora - Fernando Andrade entrevista a escritora Beatriz Aquino

 
 
 
 
 

Fernando Andrade: A tua poesia é uma celebração ao caos onde a palavra é bacante, dionisíaca. Começar a partir desta feição de rosto de uma poética, como se dá esta criação, Comente.

Beatriz Aquino: Nesse livro em específico eu não diria que seria uma celebração ao caos, mas uma constatação dele, de que não há como fugir das variáveis da vida. A pandemia nos trouxe a realidade da morte, da impotência, do assombro. Ao escolher o título, pensei antes em: Poemas para atravessar o caos, Poemas para vencer o caos, mas depois concluí que não há como vencê-lo. Afaga-lo então me pareceu mais adequado. Acaricia-lo como quem afaga o rosto de um fera. A de dentro e a de fora.

Mas acredito que em geral a palavra que uso, ou a que busco, possua um aspecto dionísico sim. Tenho um ideal que persigo, um lugar mais alto que almejo alcançar. E não falo de técnica de escrita ou primorismo literário, mas sim de um lugar humano, profundamente humano e de largo entendimento. Esse mergulho então é um constante flerte com o caos. Com o meu e com o do outro. Não é agradável, é perigoso até. Mas de profunda importância para o que me proponho.

Fernando Andrade: Há traços de uma época onde um vírus desumanizou até as relações políticas. E você sutilmente faz pequenas menções sobre o momento. Fale sobre isso.

Beatriz Aquino: Sim, na época eu morava em Portugal e de longe, com maior perspectiva, pude ver que em nosso país, que já vinha muito dividido, alimentado por uma onda de violência, o vírus serviu para acirrar ainda mais os ânimos. Os políticos, tristemente se utilizaram da fragilidade do momento para mais uma vez jogar com vidas, com fatos, distorcendo a realidade. A ideia desse livro é deixar um registro do sentir humano. Acredito que assim como a ciência deixa sua marca, a História fala de registros e acontecimentos é a literatura, a arte quem se encarrega de fazer a arqueologia do sentir humano. Descrever, interpretar, externar como a humanidade se sentiu em determinado momento. Seus medos, seus sonhos, suas dúvidas e dramas existenciais.

Fernando Andrade: Você faz uma hibridização entre gêneros narrativos. Fazendo uma prosa poética com verso livre. Esta linha entre prosa e poesia te atrai, o porquê.

Beatriz Aquino: O que mais me atrai antes de tudo é a fidelidade ao que eu sinto. Não me prendo a nenhum estilo para dar molde ao que quero externar. Não sou nada técnica, escrevo com muito desejo e muita intuição. Gosto da fluidez entre todos os estilos e isso pode acontecer em um mesmo texto. Acho muito verdadeiro ler um texto que atende a todos os batimentos cardiácos do autor. Mesmo que estes sejam irregulares.

Fernando Andrade: Há uma espécie de duplo na sua escrita, e também uma escuta da vida, como lidamos com as reflexões do cotidiano. Parece um processo bem teatral, de estabelecera linguagem visual e sonora que você tem. Comente.

Beatriz Aquino: Virei atriz primeiro para só depois começar a escrever. A escrita então me chega como cenas, diálogos. Diálogos comigo, com o outro, com o mundo. Uma observação direta, ativa e sempre em movimento do viver humano. As reflexões mais profundas que por vezes abordo em algum texto sempre começam a partir de uma fala, de um gesto, de um acontecimento cotidiano mesmo. Sou muito visual e sonora, como você descreveu. Não raro leio os textos em voz alta. Aliás, adoro fazer leitura de textos. Dar corpo e vida à essas palavras que vieram de um corpo e de uma vida. Sou fascinada por essas ferramentas. Não acredito em palavra sem dramaturgia. Nesse aspecto o teatro realmente possui muita influência no meu trabalho.

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