https://www.editorapenalux.com.br/loja/romance/a-inevitavel-fraqueza-da-carne
Fernando Andrade-) Há uma relação interessante entre o autor o editor, e o material que é a vida, tão maleável quanto a mais formidável ficção. O jogo entre quem escolhe (edita) e quem burila (escreve) parece ter sido uma preocupação sua ao escrever esta obra. Comente.
Wilson Gorj: Sim, essa relação permeia fortemente tudo que escrevo. E com este livro não seria diferente. Ainda mais se levarmos em conta que antes de escrevê-lo houve uma lacuna produtiva, em termos de escrita literária, de praticamente 10 anos. Vale lembrar que o último livro que publiquei foi em 2012 (“História para ninar dragões”, minicontos). Até então eu só escrevia prosa curta. Depois disso fiquei anos sem escrever ficção. E nesse período segui editando diariamente, visto que essa é minha profissão. Dito de outra forma: em mim, o editor se apresenta muito mais fortalecido do que o escritor. Portanto, foi uma ousadia empreender esse romance, já que minha escrita ficcional não vinha sendo exercitada há pelo menos uma década.
Fernando Andrade-) Você usa o tema da traição como um dos motes principais e pega um autor premiado como Kundera para criar referências muito sutis sobre comportamento humano frente às relações afetivas. Como a ficção do autor te deu as direções para que você criasse um romance tão bom. Fale disso.
Wilson Gorj: Primeiramente agradeço pelo “romance tão bom”. Sem falsa modéstia, ainda não estou muito convencido disso. Veremos o que os outros leitores dirão a respeito. O livro acaba de ser lançado (oficialmente ainda não, porque o lançamento presencial deve ocorrer entre junho e julho) e está chegando às mãos de alguns leitores, tendo em vista que a obra já se encontra à venda no site da Penalux. Voltando à sua pergunta, neste livro a influência do Kundera não foi direta, embora eu tenha usado sua literatura como referência para o título, e em outras partes do livro. Gosto muito do autor, um dos meus prediletos, certamente. Li várias de suas obras, entre romances, contos e ensaios. Mas confesso que faz tempo que não leio nada dele. Ainda assim, usá-lo como referência foi algo intuitivo, que surgiu na hora de definir o título do livro, que originalmente chamava-se “A carne é fraca”. Mas então, ainda no processo de concluir a trama, veio-me à mente este “A inevitável fraqueza da carne”. O novo título me fisgou, mas logo aquela voz crítica que todo autor tem (ou deveria ter) buzinou o alerta: isso lembra o livro do Kundera, “A insustentável leveza do ser”. Inicialmente essa constatação foi um desalento, tanto que pensei em deixar esse título de lado por conta dessa fácil associação a outro já existente e conhecido. Mas não demorou muito para que a ideia se tornasse um estímulo, porque vi a possibilidade de transformar o pastiche do título numa referência explícita, irônica, uma espécie de homenagem ao autor. Em outras palavras: eu poderia usar essa associação ao Kundera a favor do livro. Além do mais, entre os dois títulos parecidos há um contraponto interessante: o livro do escritor tcheco trata de questões do ser, o espírito humano, abarca questões mais elevadas, e do outro lado, o meu – com menos competência, obviamente – trata de questões da carne, um tema mais ao chão, sem muitas pretensões filosóficas. Em resumo, a referência ao Kundera foi um tempero a mais à minha história.
Fernando Andrade-) Teu livro às vezes toca o folhetim, de forma inteligente onde as relações parecem brotar da vida mais prosaica e realística. As coincidências são naturais e criam uma relação de identificação com leitor, porque isso acontece na vida de qualquer forma humana, demasiado humana. Você concorda que seu livro adquire este lado folhetinesco?
Wilson Gorj: Não havia ainda pensado nesses termos, do livro com um caráter folhetinesco. Mas analisando-o agora, posso concordar contigo. Não apenas pelo conteúdo, essa questão mais prosaica e realística da história, mas sobretudo pela forma em que o romance se estrutura, com seus capítulos curtos, seus ganchos e desfechos que conectam um capítulo a outro, e também por conta de sua prosa leve e, acredito eu, despretensiosa. Vendo por esse prisma, faz sentido, sim, apontar esse lado folhetinesco do romance.
Fernando Andrade-) O desejo aflora pela pertença da carne. Queria que você falasse desta questão da sexualidade quanto às personagens tão tridimensionais quanto suas ambiguidades humanas e emocionais.
Wilson Gorj: A carne – e suas implicações que são o desejo e, por vezes, as traições – é o mote do livro. Só que eu não quis fazer desse mote um tratado filosófico ou algo do tipo. Quis apenas usá-lo como elemento constitutivo da trama. Na romance, a carne aparece sob vários aspectos – do mais patente, como o corpo humano, a referências menos óbvias e aleatórias, como a polpa carnuda de uma goiaba. O embate entre paixão e rotina é também uma consequência desse mote. Nesse sentido, a jaguatirica que aparece na história serve como símbolo dessa luta; ela é como a paixão (os imprevistos, o desejo) que entra em nossa vida e ameaça nossa existência rotineira, essa, no livro, representada pelo galinheiro. O felino selvagem quer a carne das galinhas; já as paixões, a nossa carne. Essa dinâmica entre o desejo e a moral, entre o passional e o racional, enfim, esse embate ao qual todos nós, em menor ou maior medida, estamos sujeitos, é a força motriz dos personagens do livro, assim como o é na nossa própria vida. Para quem tiver interesse em conhecer mais a fundo essa história e seus personagens, convido a mergulhar no livro. É só acessar o site da Penalux e procurar pelo título. Depois me diga o que achou. Estou curioso para saber a opinião dos leitores.
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