Fernando Andrade entrevista o poeta e escritor Vivalde Brandão Couto Filho

Vilvalde Brandão Couto Filho - Fernando Andrade entrevista o poeta e escritor Vivalde Brandão Couto Filho

 
 
 
 
 

Fernando Andrade -)  A   oralidade parece fazer parte de seus contos, seus causos parecem mais conversas entre o contador com seu leitor. Como na escrita você chegou a esta filigrana da escrita. Comente.
              Nasci em Bom Despacho, centro-oeste de Minas Gerais, a 148 kms de BH, pela rodovia 262, em novembro de 1954.  Uma viagem que era feita em 9hs de automóvel e 12hs de trem, cortando campos, cerrados e matas, cruzando as poucas cidades e muitas fazendas. Bom Despacho era pequena, somente as ruas centrais calçadas, 10.000 habitantes em todo o município, uma fábrica de tecidos, uma fábrica de manteiga, um alto forno recém inaugurado e cercada de fazendas, produtoras de porcos para banha e uma criação de gado incipiente.
               Fazendo  jus às Minas, no final da década de 50 e início da década de 60, houve a “corrida do cristal”, com milhares de garimpeiros vindos de todos os lados.
               A família de meu pai viera de Rio Casca por motivações políticas. Aqui, seu pai, Benígno do Couto, estabeleceu-se como Coletor da Receita Federal. A família de minha mãe, toda ela, fazendeiros. Seu pai, Juca Rufino e os filhos, tocavam a Fazenda Santa Rosa do Picão.
                Meu pai, fôra para o Rio de Janeiro, formara-se na Faculdade Nacional de Direito e por motivações politicas, viu-se obrigado a mudar-se para Bom Despacho no final dos anos 50, onde conheceu minha mãe, casaram-se e tiveram 4 dos seus cinco filhos. Em 1960, passou no último concurso para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal em sua antiga localização, preferindo ficar no recém criado Estado da Guanabara, fazendo parte da primeira turma de juízes que alí professou.
                Naquele dezembro, mudamos para o Rio de Janeiro, de onde voltávamos em todas as férias escolares, vendo as estradas serem abertas e o asfalto chegando. A grande maioria das casas da cidade tinham suas portas abertas, de onde batiam palmas aqueles que chegavam. 
                Meu avô Juca Rufino, era violeiro e o maior contador de casos que já vi. Caçador de veados, tinha em média vinte cachorros da raça veadeiro e na fazenda chegavam, ao menos uma vez por mês, à cavalo, no mínimo quatro companheiros com suas matilhas. Passavam o tempo tocando, cantando, contando casos e saiam na manhã seguinte para a caçada, batendo buzinas, os cães atrelados atrás de seus donos, sendo gritados por seus nomes, em fila de dois a dois, excitados pela festa que aconteceria até o sol começar a entrar. Voltavam à noite, batendo buzinas e gritando, buscando a acolhida que os aguardava. E toma de casos engraçados acontecidos àquele dia.
                 Assim, passei minha infância e adolescência. Ouvindo e imaginando aquilo que ouvia.
                 Talvez, venha daí a minha oralidade.
                  

 

Fernando Andrade -)  A violência perpassa algumas narrativas de forma não aguda, mas sublinhada com certo humor negro. Comente.
                 Talvez por ser pouco usual naquele momento e os personagens, conhecidos, sempre tinham um histrionismo que os cercavam. Assim, quando alguém contava um caso, era amigo do personagem, por convivência ou por herança. Depois, a tragédia faz parte do mineiro desde a infância. A parte mais estudada na História do Brasil, um capítulo absolutamente à parte, é o enforcamento de Tiradentes, o libertador, coitado.
Depois, mais tarde, se você tiver sorte, vai ler Diogo de Vasconcelos.O interessante é que Tiradentes não é passado como nenhum herói e sim uma vítima! Acho que aí surge a instituição da “Coitadeza”, largamente utilizada nas famílias mineiras.
E na coitadeza não há senão destino. E o destino, já estava escrito! “E o engraçado, é que…”

 

  Fernando Andrade -) A poética tece muito da sua escrita, como o trabalho do poeta te influenciou neste seu livro. Fale disso.
                   Se você vir o pôr do sol no cerrado, entende! Cresci ouvindo modas de viola. São sempre trágicas! Mas, como as fábulas, quase todas trazem uma moral. Geralmente, tristes! Tá ouvindo? aprende!.. E a gente vai aprendendo, guardando, botando no fundo da caixa. E fica lá. Todo mundo tem esta caixa. Poucos têm coragem de abrir. O poeta abre a caixa. Depois de aberta, não fecha mais.
                    Tive sorte. Um dia descobri Pessoa, Bandeira, Drumond, João Cabral e quando estava chegando aos quinze, um turbilhão chamado Tropicália! Então, João Guimarães Rosa! O sol do Cerrado nunca mais deixou de entrar para as bandas da serra, que se chama Serra da Saudade!
                     Em 1978 publiquei Palavra e Pedra, que vendia nas noites cariocas. Digo: de Ipanema ao Leblon. Era metade poesias e metade contos. 1000 exemplares vendidos em um ano. Saía sempre acompanhado de outro poeta, que vendia também o dele. Era Raul Miranda. No ano seguinte, ele perguntou numa noite em que encontramos alguns poetas de um grupo conhecido e festejado pela inteligência carioca. Porque não fundamos um grupo de poetas? E assim, nasceu o BateBoca. Poetas engajados na luta contra a Ditadura. Poesia Panfletária, mas, sem perder a qualidade. Ao contrário. Não teria sentido se não fosse boa poesia.
                        E toma de Sindicatos, e toma de penitenciárias, e toma de escolas e todo modo de chegar! E gritar Abaixo a Ditadura!!!!
                        A resposta à pergunta acima:  Abra a caixa, retire de lá todos os guardados e sopre forte. Vai subir uma poeira muito fina, que vai tomar a sua volta. É o seu modo de ser e tudo à sua volta, enquanto o sol entra no horizonte.

 

  Fernando Andrade-)   Minas é um celeiro de boas histórias a até fábulas. O inacreditável e  o surreal fazem parte do anedotário da região. Como foi esta experiência em trabalhar em Minas. Fale disso.
                         Não! Aí, discordo de você! Não fazem parte do anedotário. Estão em nós! Bicho, cê nem imagina! O problema é que, como disse o tio Mariano, “Esse telefonim de borso vai acabá com omundo”! 
                         Em qualquer lugar o telefonim de borso está presente. As crianças, todas, têm o tal ! Não brincam, não brigam, não perguntam mais. E tudo vai acabar nas telas de um celular!
                         Isto para mim, é inacreditável!
                         Isto, para mim, é surreal! 

 

BateBoca – Os integrantes: Raul Miranda, Vivalde B. Couto Filho, Ele Semog, José carlos Limeira, Djalma Serra Junior, Lucio Autran, entre outros.
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