Fernando Andrade entrevista a poeta Manu Vaghi Gama

Manu Vaghi Gama - Fernando Andrade entrevista a poeta Manu Vaghi Gama

 
 
 
 
 
 
 

Fernando Andrade-) Escrever também é ilustrar o sentido. Mas no seu poema a imagem é por demais sutil por entre as paisagens pictóricas. O reino do implícito, aparece em toda a beleza do seu texto. Como se faz este desenho. 

Manu Vaghi Gama – Não há tradução. O que o corpo confessa foge qualquer didática de estrutura. Cada escrita é um caminho que sigo e desaprendo para ir novamente. Usar o implícito como linguagem é reafirmar a poesia – algo que precisa ser dito e nunca poderá ser explicado. É uma constante tentativa de ilustrar o que não se desenha, o que não se ensina a ser visto.

 Fernando Andrade-) Há uma certa relação entre o corpo do poema com a titulação. O título Na Sombra da Dúvida já traz uma potente voz alusiva. Como casa estas duas linhas. Comente. 

Manu Vaghi Gama – Acho que boa parte das minhas poesias ganha corpo a partir do questionamento. É um devaneio viajante, o sonhar acordado. Eu duvido de tudo, todos, de mim. Saio correndo deixando as letras escaparem mas nunca atrás de uma resposta. É uma espécie de pergunta que morde o próprio rabo.  

Normalmente, a dúvida é uma lacuna a ser preenchida, mas não é o caso. Não há vazio, não há resolução. Não há algo a ser adicionado além do próprio. Entre começar uma poesia e terminar a mesma, eu já me encontro em outro lugar. 

O único intuito é esse – Cheguei. 

Fernando Andrade -) O corpo orgânico ganha certa dimensão poética pelo nascimento, pela vida corrida pela arte, pela biografia, mas não há possibilidade de definir um eu que não seja estético e bonito. Fale disso, um pouco.

Manu Vaghi Gama – Quando se trata do bonito/estético, o que consigo falar é que feio mesmo não se vê, se experimenta. Vire alguém do avesso e receba o céu-inferno. 

Se eu fosse me apresentar para alguém, não descreveria aspectos físicos, mas sei que estão aqui influenciando meu modo de ver e ser vista. Na realidade prática, sabemos que é impossível separar o objetivo do subjetivo. As maçanetas sempre serão rostos mas se abre a porta com as mãos. Usar o físico para falar sobre coisas invisíveis – como faço bastante na minha poesia, criando associações entre o existencial e processos corporais ou apenas tangíveis – é um jeito de ofuscar a estética e suspender por um momento essa simbiose. Se fala da maçaneta mas com a atenção voltada ao rosto. É uma das minhas formas de trapacear.

Fernando Andrade-) A semiologia da imagem aparece no seu livro como um cinema falado. E o discurso é preciso ver ou captar nas entrelinhas da imagem-escrita. Comente. 

Manu Vaghi Gama – Ao ler meu discurso, você pode achar que está me vendo pelada, mas te mostro um corpo que já não é meu e guardo segredo. É toda uma configuração que remete uma cópia autenticada de certidão.

Minha poesia, assim como o cinema, pode trabalhar com o exagero e é comprometida a catarse. A poesia também brinca com as pausas dramáticas. Funciona como um roteiro na medida que é uma organização de vozes, cenários e estímulos. Dando a vez para cada uma dentro de mim falar. Ou causar um barulho que alguns escutam e outros não. Também buscando balançar um sistema de significações, de arquétipos, é um certo protesto.

Manu Vaghi Gama

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