Fernando Andrade | escritor e jornalista
A luz findou-se no escuro, era claridade já de manhã. Onde os sons aparecem, onde o pés procuram caminhos seguros, ou tardios, mas que linda é a solidão que atormenta alguma perene pessoa que tem rosto, mãos, lembranças. Mais um dia, mais uma rotina, porém a escrita vai além dela, vai na transfiguração do medo, no cair do abandono, como trabalhar um luto de uma mãe que perde um filho numa queda, livre, sobre a cobertura de céu azul, de uma dia comum. Maria Eugênia Moreira, em seu novo livro uma novela de suas 60 páginas Os pares de sapato não acompanham as quedas, pela editora Reformatório, se concentra, numa condensação dramática e temporal, onde a loucura, o remorso, a dor traz toda intensificação quase latente do vazio que rui por dentro que já perdeu filhos por suicídios. Célia não pode se equiparar ao ex-marido que tenta achar lacunas para sua ação escapista do lugar e momento da queda. Ela quase personifica num espaço dramatúrgico, o que é dentro da maternidade, se colocar dentro de uma experiência única que é viver sob e em baixo da pele, durante 27 anos. Não é questão de encarnar a ausência do filho, mas sublimá-lo perante o apagamento tanto do corpo quanto da sua memória, porque o tempo avança para o esquecimento, para o apego à vida. A escrita de Maria é quase um traço poético sobre a linguagem da finitude, do acabou-se dos sonhos de um futuro que se deriva em fim.
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