Fernando Andrade – Tua prosa neste seu romance, fica entre o documental e o poético. Como construir esta narrativa tão delicada e informativa. Explane mais.
Elga Lustosa – Desde criança, convivi com lugares parecidos com o Baixio e onde as pessoas geralmente se uniam em torno dos acontecimentos, como a seca, a cheia do rio Parnaíba, a colheita do caju. Há um verdadeiro espírito fraternal em torno desses vínculos fortalecidos por ocasião das condições climáticas ou a aridez do sertão. Sem esse espírito de união é impossível ou é muito penoso sobreviver. Tentei retratar com o maior detalhamento possível o que vi e o que sei que é a vida real de muitos brasileiros nordestinos. Há um espaço natural definido, porém, inseri a beleza da vida sertanista que, de fato, existe, mesmo com todos os percalços que precisam superar. Na produção da cajuína, por exemplo, há quase uma comemoração em torno dessa bebida tão marcante no Piauí e, não podemos dizer que não há poesia em tudo isso, uma beleza própria que é preciso seja celebrada para que o restante do País saiba que há muita dignidade no sertão.
Fernando Andrade – Você tomou bastante cuidado com os arquétipos do lugar. A tradição; cultura, A relação entre gêneros, homens e mulheres. Como desenhou o local e sua gente.
Elga Lustosa – Tive a oportunidade de vivenciar o que retratei, como o reisado, que imprimia em mim, uma magia que tornava fantástico aquele momento, como se fosse transportada para outra dimensão, onde a musicalidade e a dança tomavam de conta do espaço. A relação entre homens e mulheres foi sempre marcante no sertão, pois a cultura fundada no patriarcalismo ainda influencia o modo como homens e mulheres se postam perante uns e outros. Ouvi muitas conversas, das minhas avós, tias e minha própria mãe, que permitiram eu criar o povoado do Baixio pincelando as características dos lugares que me influenciaram. Tentei não precisar um tempo para a narrativa, pois muitas das situações descritas ainda são vividas pelos sertanistas. Deixei na mão do leitor estabelecer o liame temporal, se quiser.
Fernando Andrade – Há um trabalho cuidadoso com a língua, com palavras quase em artesanato. Vi tanta musicalidade na linguagem, me conte como elaborou a prosódia.
Elga Lustosa – De fato, há uma musicalidade no sertão e a linguagem é uma delas. Compõe o retrato do lugar e não poderia deixar de fora essa forma de expressão cultural. A língua dá autenticidade ao sertão, é a marca registrada do sertanista. Se ele vai para outras regiões do País, logo é reconhecido pela forma como fala, os seus traquejos são próprios. Como meu livro é regionalista, tentei ao máximo ser fiel a essa característica primordial das pessoas que vivem no sertão. O trabalho de revisão foi o mais difícil, pois quem revisa, se não conhece o lugar, tende a querer mudar a expressão e aí muda o sentido do que é contado. Na revisão, houve alguns apontamentos com relação a expressões que utilizei e eu tive que bancar para que não fosse mudado, pois pensei que poderia descaracterizar a obra como um todo.
Fernando Andrade – Seu avô era escritor e contista. Teve alguma influência dele na sua formação humanística e literária. Comente.
Elga Lustosa – Sim, meu avô era Francisco de Moura Barbosa, membro da Academia Picoense de Letras (ALERP), atualmente é o patrono da cadeira nº 28 da Academia. Ele publicou 3 (três) livros de forma independente, não pode estudar, mas como foi um comerciante forte na região, deu aos filhos a oportunidade de fazê-lo. Ele participou da rádio de Picos/PI, foi seresteiro e até palhaço, quando um circo chegou na região e o palhaço passou mal, ele contou em um de seus livros, que se vestiu e foi lá para a frente do tablado fazer brincadeiras. O interessante desse episódio, é que, segundo ele, ninguém ria, mas ele não se fez de rogado, cobriu o palhaço.. Sempre houve na minha família paterna, um senso de humor incrível para o que quer que fosse. O que mais me marcou na vivência com meu avô foram as histórias que ele contava. Lembro de uma que contava e cantava, sobre o universo das abelhas e eu, apesar de pequena, ficava encantada com a forma como ele descrevia a estória, que eu chegava a acreditar que era verdadeira.
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