1 conto de Diego Moraes

 

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Região Portuária de Manaus-AM

 

 

 

Enterrado no quintal

Guardei por mais de 15 anos um revólver enterrado no quintal. Guardei ao lado de um pé de limoeiro. Um 38 doado por um amigo de infância que já puxou umas 6 cadeias por tráfico e assaltos. Tinha guardada essa arma para resguardar a vida da minha mãe. Cresci vendo caras batendo nela. Socos, gritos e som de louças quebrando foi a trilha sonora da minha vida por muito tempo. Eu era moleque quando entrei uma vez em casa e a vi jogada na cozinha. Tinha 12 ou 13 anos. Sangue saindo pela boca junto com os olhos fechados de tanta porrada. Fui crescendo com a promessa que mataria esse cara. O tempo passou. Veio internet, redes sociais e descobri onde o cara se escondia com mulher e filhos. Em 2011 fiquei puto com a vida e botei o revolver na mochila e fui atrás dele no município de Parintins. Nunca consegui desfazer esse engasgo na garganta. Esse nó por não ter conseguido defender a minha mãe. Sou um cara muito direto. Honesto. Os poucos amigos que me conhecem sabem que sou amor ou ódio para valer. Paguei três dias de hotel e encontrei a casa do filho da puta. A máquina carregada na cintura e muita maldade para descontar no peito e na cara dele. Queria ver ele babando nos meus pés. Escutar o som dos tiros. Queria ouvi-lo pedindo desculpas. Perdão. Até hoje minha mãe não escuta do lado direito e a sobrancelha direita é torta por conta da surra que ele deu nela. Enfim, bati na porta da casa dele e uma mulher veio segurando a mão de um guri com o nariz cheio de catarro e a cabeça cheia de piolhos. Perguntei algumas coisas e ela respondeu que o pai tinha morrido afogado. Que tinha enchido a cara de cachaça e virado numa canoa. Acabou meu dinheiro e voltei pra Manaus desconfiado do papo dela. Cavei outro buraco ao lado do limoeiro e guardei o revolver dentro de uma caixa. Guardei na esperança que ele aparecesse um dia para conhecer de perto meu rancor vermelho de exu tranca rua. Durante muito tempo imaginei diversas formas de matá-lo. A imagem da minha mãe jogada no chão me feriu para valer. Atravessou minha adolescência de forma cinza. Queria fazer justiça com as minhas próprias mãos. Acho que a imagem dela jogada no chão influenciou negativamente nos meus estudos. Nunca consegui decorar tabuada ou aprender regras de gramática. Sou meio disléxico e sofro de depressão. O choro dela na poça de sangue ainda me incomoda. Hoje sonhei com ele pedindo perdão no fundo do rio. O rosto comido por peixes. Cadavérico. Então tomei café, desenterrei a arma e joguei na reserva florestal que tem no bairro. Acho que consegui perdoar o cara ou tenho me aproximado de Deus. Joguei o velho revolver e me sinto mais leve. Estou esperando minha mãe chegar do médico para abraçá-la com força. Nunca contei essa parada para ninguém, mas já é passado. O arrependimento é um milagre. Vou esquecer tudo e escrever um poema para ele. Vou dizer que não sinto mais nada e que ele ache a luz do outro lado da vida.

 

 

 Diego Moraes é poeta e contista. Autor de 7 livros. É publicado no Brasil e na terra de camões.
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