Fernando Andrade entrevista a escritora Ana Karla Farias
Ana Karla Farias
Potiguar, sertaneja, nascida em Caicó/RN, lá onde as cercas são de pedra e os corações repletos de amor. É jornalista (UERN) e autora do livro de contos “A árvore dos frutos proibidos” (Multifoco). Foi finalista do Prêmio Off Flip na categoria contos, e atuou como roteirista do curta “A flor teimosa da algaroba”. Mestra e doutoranda em Cinema (Unicamp), pesquisa estudos comparativos entre cinema e literatura sob a perspectiva ensaística, com ênfase para a obra da cineasta Agnès Varda e escritora Clarice Lispector.
Fernando Andrade: 1 – Sua escrita é muito visual. A escrita tem uma fonte imagética própria. Como escreveu este livro. Comente.
Ana Karla Farias: Penso que o fato de estudar e pesquisar cinema no mestrado e doutorado, aguçou meu olhar e mudou meu jeito de apreender a narrativa. Há muito da cinescrita da Agnès Varda, cineasta belgo-francesa, sobre a qual me debrucei no mestrado. Ela se dizia cinescritora por conceber que se pode realizar um filme com a mesma liberdade de forma tal qual se escreve. Então, a Varda carrega a literatura para o imagético e acho que tentei fazer o caminho inverso, a partir desse diálogo com sua obra. A memória é um dos elementos presentes no cinema da Varda que inscreve sua subjetividade. Tentei também revisitar o lugar da memória ao escrever e me inscrever em corpo e voz narrativa na minha própria obra. Como reconstituir o passado, o vivido? Não se pode, mas se atualiza e ressignifica o passado no presente. O livro foi pensado como um exercício de se retomar a experiência vivida que não estava só na memória do meu corpo, mas na história das mulheres.
Fernando Andrade: Sua linha de estudo aproxima Agnes Varda e Clarisse. Junta narração e documental. Como entrelaçar as duas?
Ana Karla Farias: Minha linha de estudo se situa nesse entre-ser, na fronteira entre uma margem e outra: o documentário e ficção, realidade e fabulação. Eu costumo fugir de delicitações e classificações muito rígidas sobre um gênero literário ou fílmico, encanta-me o embaralhar das fronteiras. O não caber, o escoar-se!
Então, a minha escrita é híbrida, mesclando ficção e realidade. Até pela impossibilidade de reconstruir fielmente a experiência do vivido. Como a Clarice em Banhos de mar, ao tentar rememorar a felicidade da infância no mar de Olinda: “A quem devo pedir que na minha vida se repita a felicidade? Nunca mais?”. Então, um modo de se preencher a lacuna do esquecimento e esforço de lembrar é exercendo o direito basilar à fabulação.
Fernando Andrade: Toda escrita é uma obra de invenção mesmo que fale de nossa vida. Fale do lado memorialístico da sua escrita. Da relação entre imaginar e factuar. Comente.
Ana Karla Farias: O meu orientador, professor doutor Elinaldo Teixeira, apregoa o equívoco autobiográfico ao se debruçar sobre o ensaio no cinema como quarto domínio entre a ficção, o documentário e o experimental. Considero a minha obra uma autoficção e não meramente autobiográfica. Porque há uma subjetividade que se abre ao mundo, que se constrói com a alteridade. Não é só uma escrita de si, mas uma escrita que parte de si para além de si. A obra não se encerra no eu, mas evoca outras mulheres: ancestrais, amigas, minha irmã, escritoras e cineastas que, no ato da escrita, pegaram minha mão e disseram “vamos caminhar juntas”.
A memória, portanto, é um elemento crucial para a inserção dessa subjetividade feminina que se lança em alto mar, à deriva consigo mesma.
Fernando Andrade: Cite algumas obras e autores que ajudaram na criação da sua obra.
Ana Karla Farias: Hèléne Cixous em O riso da Medusa, Um teto todo seu da Virginia Woolf, Conceição Evaristo com seu conceito de escrevivências, Marguerite Duras em Escrever, A dor, Patti Smith em Só garotos, sobretudo, Agnès Varda em sua ampla filmografia, Chantal Akerman em Jeanne Dielman e Clarice Lispector com boa parte de sua obra.
Be the first to comment