Fernando Andrade | escritor e jornalista
Não estou doente embora me sinta velho. Minha hora chegou. Um cano de revólver me desarmou, mentalmente. Não sou aquele homem do quadro, aquele sim é um moribundo. Ainda tenho minha fronte firme, e meu olhar longe mirando o horizonte. Mas vocês podem pensar que eu não faço suicídios para livrar minha pena. Este revólver resolve minhas contas a pagar. Não sou matador de aluguel, estou aprimorando minha gramática. À bala. Sou um professor de semiótica. Alguém mais estúpido pode entender meio olhar. Mas o que faço com uma arma para ensinar ao mundo que tem sentido. Porque sou velho e não amei o suficiente. A língua não ensina nada, ela expressa o estado confuso dos sentimentos. Vocês vão pensar que na minha idade é sobre luto, perda de mãe e pai. Meus pais se mataram mutuamente, cada qual com uma bala de revólver, talvez num duelo armado. Depois disso, comprei o revólver que foi dado a um traficante. O outro não achei. Aponto toda vez que decifrar um enigma numérico para minha cabeça, a arma que levou minha mãe para a cova. Na rua até que sou bem comportado, pago boletos, vou no supermercado. Aqui em casa faço o alvo em mim com pensamentos intrusivos. Vou manter o suspense, não vou contar se descarreguei o cartucho com os projéteis. Claro que tenho aqui uma equipe de gravação. Gravando minha aula de linguística. Palavras ferem, queimam na pele como caixas de fósforos, incendiários. Nunca fui poeta, sabia manejar palavras explosivas para o erro, mas não para a sensibilidade da flor. Não posso tirar fotos de mim, assim, com a arma na cabeça. Alguém poderia vir tirar a minha solidão da mira do alvo. Chamariam o psiquiatra e me entupiram de tranquilizantes. Mas eu posso escrever este conto e depois não publicá-lo num site de literatura. Assim continuarei nesta pose de estátua, tentando lembrar da minha última aula de semiótica aplicada.
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