Fernando Andrade entrevista o escritor Joseh Garcia

Joseh Garcia - Fernando Andrade entrevista o escritor Joseh Garcia

 
 
 
 
 

Fernando Andrade. A palavra sonda é muito usada no espaço para investigar o desconhecido sideral. Mas o verbo sondar tem certa relação com o substantivo. Um pouco filosófico, e religioso. No seu livro poemas que me chamaram atenção para o aspecto curioso da inteligência humana. Pensando nestes aspectos que expus aqui fale de como os criou neste livro.

Joseh Garcia. A curiosidade humana se volta com frequência à investigação de espaços: seja o sideral ou o interior de si. E isto evidencia um grande impulso por descobrir, desvendar, e experienciar um gosto da verdade. Para mim, o mistério do universo é fonte de fascínio e inspiração. E aqui, no contexto do livro NU NO LABIRINTO, a minha exploração interior tomou a forma de versos. Sem a intenção de possuir um tema específico, o livro foi ganhando forma espontaneamente, sem pressa, ao longo dos anos. Nesta jornada poética, fui deixando a inspiração me guiar passeando por caminhos algumas vezes filosóficos, outras vezes espirituais. Segui a cartilha de Rilke e cultivei perguntas sem a pretensão de encontrar respostas finais, e assim, os versos se afastaram das certezas mas sempre acabaram deixando rastros de reticências. Eu diria que NU NO LABIRINTO é um resultado do meu olhar e interesse pela contemplação ao Mistério e evidencia uma busca profundamente humana.

Fernando Andrade. Meditar parece uma relação com a criação. Interiorização, silêncio, orar\escrever parecem até atos simbólicos próximos. Você acha que sua escrita está perto desta relação entre a meditação e a escrita. Comente.

Joseh Garcia. Acredito que a poesia é talvez a arte que mais se adentra na busca do sentimento último, do sentido mais aprofundado, mais próximo do âmago das coisas, na expressão do que se quer dizer. O paradoxo é que as experiências mais profundas são impossíveis de serem traduzidas em palavras. Mas obstinado, o poeta sempre tenta e por instantes, acerta o alvo. Na meditação, nos vemos rodeados por um vendaval de palavras, fragmentos de conteúdos psíquicos que viajam da infância até projeções no futuro, tomando caminhos lógicos ou meramente fantasiosos. E assim como o poeta, ao persistirmos no aprofundar em si eventualmente encontramos segundos de silêncio. E voilà! Por um momento eterno, eis uma degustação da nossa essência! A minha poesia tem muito desta qualidade meditativa pois ela é guiada por este desejo perseverante de viajar ao mais íntimo de si, e se expressa procurando dizer muito com o mínimo possível, criando espaço para o silêncio e a contemplação.

Fernando Andrade. Você diria que parte de sua produção poética neste livro, tem uma insinuação forte com certo humor sutil com a até a própria vida. Comente.

Joseh Garcia. O humor pode ser artifício de libertação do sofrimento imposto por uma uma visão carrancuda, sisuda e séria da existência. No caminhar da corda bamba da vida o desafio é equilibrar profundidade com a leveza do humor, e desenvolver a capacidade de rir de si e da própria vida quando ela faz dodói. O humor se insinua em alguns versos meus, e eu gosto quando ele se apresenta para me lembrar que a vida também é gozo e que o Buda também ri.

Fernando Andrade. A cultura veste o acesso à informação. O que desveste nesta ocasião onde estamos completamente nú no labirinto. Fale disso.

Joseh Garcia. A cultura nos oferece lentes para se relacionar com a realidade e interpretá-la. As lentes pelas quais vemos o mundo, que são oferecidas pela nossa cultura, impregnam até mesmo o enquadre das nossas perguntas existenciais. Por exemplo, focamos muito mais nas perguntas “Quem sou eu?”, “Quem é Deus?” do que nas questões “O que sou eu?”, “O que é Deus?”. As crises pessoais nos lançam no labirinto e criam fendas nas nossas certezas construídas, na ilusão de que temos controle e de que conhecemos o terreno da existência. Nestes momentos, onde, sob o nosso chão, uma fenda se abre, somos atirados mais uma vez ao desconhecido, e nos vemos nus, pois as vestes do conhecido já não nos servem. É aí que é preciso seguir o chamado da aventura do viver, da epopeia humana. É preciso confiar no fio da vida, e se despir das ações enrijecidas dos hábitos, e novamente se entregar, se render, com inteligência, curiosidade e amor em busca de uma nova realização mais alinhada com a situação presente.

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