Fernando Andrade entrevista o poeta Rafael Dorado

Rafael Dorado - Fernando Andrade entrevista o poeta Rafael Dorado
 
 
 
 

Fernando Andrade -Tua poesia não sonda o enigma, ou não, mas sim uma relação com o vazio, que pode organizar tantas sublimações como o ato criativo. Como este vazio te preenche poeticamente?

Rafael Dorado – Eu penso que a arte de maneira geral é uma forma de sublimação que sustenta o vazio em seu centro, por assim dizer. Vazio para que possamos entrar, vazio para que algo nos satisfaça e, ainda sim, não fiquemos obliterados de sentido. De certo modo, penso que a minha poesia sonda o enigma, quando falo de desejo, quando tento falar da vida; pois penso que são questões sempre em aberto. Encontramos e fabricamos, apoios, contornos para dar um pouco de conta da vida; contudo o enigma pode ser a sustentação de um desejo, pode ser, em determinados momentos, o motor para nos colocar em movimento.

Fernando Andrade – O verso e a prosa seriam não antagonistas, mas formas de trilhar a linguagem como um caminho num bosque ou numa serra. Você acha que fica na sua poética algo de prosaico? Comente.

Rafael Dorado – Sim. Em alguns poemas tento tratar de algo do dia-a-dia, do ordinário; concebendo a prosa pelo prosaico (se me permite essa brincadeira rs). Não raro, produzo poemas a partir de uma lógica de contação, de narrativa e montagem de uma cena.

Fernando Andrade – O afeto é um componente do poema. Sensibilidade é um um caminho para a estética ou beleza de um poema. Fale sobre esta relação na sua poesia entre o afeto e estética, quando você cria?

Rafael Dorado – O afeto é aquilo que me atravessa, me acorda para outra coisa, é o que vem de um fora-dentro; porque se é uma forma de me afetar com o mundo, também aponta para maneira íntima e particular de sondá-lo.
A estética, considero, que é o que cálculo causar no outro ao ler meus poemas; não deixa ser uma proposta de olhar, de perspectiva, de abordagem de fragmentos da realidade.
Em outras palavras, é uma tentativa de elaborar e transmitir algo de minha experiência ao outro, sem ter a pretensão de ser compreendido plenamente; o mal-entendido é bem-vindo.

Fernando Andrade – Poderia ser metal pedra, e água, mas sabemos que o poema tem um núcleo cuja palavra é seu átomo. Como dourá-lo para ter tanto efeito para um livro publicado? Comente.

Rafael Dorado – Eu concebo enquanto núcleo do poema a palavra deslizante que, se se é costurada com outras palavras para criar sentidos, também tem a linha que une puxada para fora, deixando um pouco (às vezes um tanto ) solto toda a veste que eu tento fazer. Esta veste é um adorno para muito daquilo que não dou conta; é uma tentativa de contar ao menos um pouco de como a vida me chega.
Publicar um livro talvez seja dar o passo de apostar que pode servir para outro o que me serviu; sem garantias de sucesso de qualquer ordem. Não sei se “dourar” a palavra é necessário, talvez se trate, no momento de editar o material para ser um livro, ficar atento onde há Indício de ter ocorrido poesia; nem todo poema traz em suas linhas poesia.
Ou seja, poderia ser qualquer coisa. Sim, mas, não, porque eu acabo por escolher certos elementos, palavras, caminhos (se preferir) para dizer de uma experiência: pedra, metal, água, por exemplo. E porquê este e não outros? Isso me parece, em parte, insondável.

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