AMICE, A MULHER QUE LIA SEM ROUPA
Escapo da turba que no meu encalço se amotina.
Não cuidei que me surpreenderiam nua da cintura para cima, a ler no meu
quintal o pergaminho das 7 cantigas de amigo, de Martim Codax.
Estava eu ao sol aguardando que secasse meu único traje de nobre
empobrecida; uma mulher teria que ler escondida.
Agora me acusam de indecência e furto do material proibido.
Socorreu – me a bondade do apaixonado Frei Domenico, primeiro cobrindo- me
com sua capa violácea, depois transportando – me às suas costas para o
esconderijo na sacristia de onde oficia o abade.
Viessem homens sábios para dizimar essa coorte de impiedosos… Mas não.
Agora ouço em angustiosa culpa o pronunciarem as sentenças:
de morte,
sobre quem vai permanecer na masmorra,
sobre os que seguirão para o degredo em África. Sobre quem foi julgado
inocente
e agora segue escoltado para a liberdade.
– Dentre estas, eu delirei ouvir meu nome.
SEM TÍTULO
Necessito de alguma incompletude…
Que me leve, não a um retorno, mas a uma ausência no decorrer de fastidiosa
plenitude.
Vazia, alcançar-me-ão rotas ignotas, e estarei liberta do cotidianamente
flagrante.
Eu os desejo muito mais do que ocultamente têm me desejado estes novos
rumos.
– Singram pelo fascínio e no seio do improvável.
EU DISSE QUE SABIA TUDO
Porque sou poeta,
não fui relegada ao silencio.
No assomo da noite
sou eu que primeiro falo
: as folhas escutam
junto com um noturno de música.
Porque sou poeta
sou eu que primeiro avisto o amor
vindo diretamente pela porta.
Eis que também sou a derradeira
com quem ele vai embora.
BIO DA AUTORA
Julia Lemos é uma poeta, atriz e declamadora pernambucana, vivendo atualmente na capital, Recife. Publicou os livros de poesias “Carmem Antônia Migliacchio Enlouqueceu, Recife, Edições Pirata, 1980; “A Casa Estrelada”, Editora da FUNDARPE- CEPE, 1997; “A Exposição dos Sóis”, Editora Penalux, São Paulo, 2017. Publica em sites, revistas e nas redes sociais.
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