Fernando Andrade entrevista o escritor Leandro Silveira Fleck

Leandro Silveira Fleck - Fernando Andrade entrevista o escritor Leandro Silveira Fleck
 
 
 

Fernando Andrade. Gostei muito do seu livro, na leitura me lembrou os romances de Pedro Mairal, relações afetivas, fronteiras entre Brasil e Argentina. Certo humor principalmente na amizade masculina. Você já leu o autor e concorda. Comente.

Leandro Silveira Fleck. Embora conheça o autor, não há influência direta dele nos meus escritos. No meu romance de estreia, “A Suástica em La Cruz”, já temos a Argentina como espaço, assim como no terceiro, “Ícaro Não Pode Voar”, que se passa no bairro de San Telmo e termina nas margens do Rio Uruguai. Creio que o Ícaro seja mais próximo da escrita de Mairal, ao tratar de relações afetivas com uma pitada de humor diante de absurdos da vida. Já que falamos em influência, as minhas são Erico Verissimo, Isabel Allende e Gabriel García Márquez.

Fernando Andrade. Você pegou um gap histórico e desenvolveu muito bem. Dois marcos temporais: a guerra das Malvinas e a copa do mundo de 86. Comente.

Leandro Silveira Fleck. Trabalho nesse romance com dois temas sensíveis ao povo argentino: as Malvinas e o futebol. Salvo melhor juízo, há poucas narrativas ficcionais sobre a Guerra das Malvinas, principalmente no Brasil. Diante disso, resolvi escrever a respeito, partindo do olhar do soldado, verdadeira bucha de canhão. Casei a narrativa com a Final da Copa de 86, ciente de que o leitor sabe do resultado da partida, mas não da forma como as personagens lidaram com o fato histórico. Foi um desafio pesquisar sobre as Malvinas, mas muito prazeroso escrever esse romance simples, mas cativante, ritmado.

Fernando Andrade. Deveríamos ter uma relação simbiótica mais forte com os países em língua espanhola. Seu livro resgata certa ponte cultural entre a ficção de lá com nossa literatura brasileira. Você concorda que esta relação poderia existir mais? Comente.

Leandro Silveira Fleck. Sim, como havia falado, dos meus quatro livros, três se passam em solo argentino e terminam na minha cidade natal, Itaqui, fronteira com os Hermanos. Gosto muito dos povos de língua espanhola e, quando perguntado se este será o último romance que trata de temas caros a eles, percebo que não tenho a resposta. Como sou fronteiriço, sinto que ainda temos uma distância afetiva com os amigos argentinos, talvez fruto do futebol, um dos temas centrais do “Cão das Malvinas”.

Fernando Andrade.  A América do sul na década de 60 e 70 passou por períodos turbulentos políticos com ditaduras nefastas. A ficção tenta recuperar a memória histórica. Seu romance tem este resgate mesmo de forma subliminar? Comente.

Leandro Silveira Fleck.  Não sou panfletário na questão ideológica, gosto de tocar em temas sensíveis a partir de uma boa estória a ser contada. Nisso, creio que a arte tenha se perdido um pouco. Eu tenho reparado que séries, filmes e livros estão mais preocupados em falar ao seu público do que contar uma bela narrativa que, sendo boa, fará com que todos aprendam mais sobre determinado período histórico. Parece que virou um crime contar uma bela estória. Erico Verissimo me ensinou muito ao dizer que “era apenas um contador de estórias” e tenho isso como preocupação estética. No meu romance “Ícaro Não Pode Voar” há duras críticas à ditadura argentina, mas ela, embora fique em segundo plano na trama, se torna essencial em todo contexto do livro. Há leitores do “Cão das Malvinas” que nunca havia lido nada a respeito e, a partir da minha ficção, sentiram as dores dos coitados que foram jogados para morrer naquela ilha fria e distante. Isso, para mim, é importante: fisgar o leitor pelo que é contado, desafiando a curiosidade dele, levando-o a refletir sobre os erros históricos cometidos, muitos deles vestidos com roupas de uma “boa causa”.

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