Fernando Andrade entrevista o escritor Anderson Soares Freixo sobre o livro ‘Nome próprio’

Anderson Soares Freixo - Fernando Andrade entrevista o escritor Anderson Soares Freixo sobre o livro 'Nome próprio'
 
 
 
 

Fernando Andrade – Seu narrador não procura apenas a linguagem como Beckett tencionava, ele passeia por afetos solitários por algum sentido. Me fale desse narrador e suas dimensões.

Anderson Soares Freixo – Meu narrador está sempre lutando contra o vazio. Uma estratégia possível é construir sentidos pra coisas que, de outra maneira, seriam nada. O fato de haver sentido justifica a experiência e o sofrimento de passar por ela. Faz, de algum modo, valer a pena. Achei interessante essa referência a Beckett, porque no meu livro a espera é um tema fundamental, assim como nas obras dele. Mas não é uma espera intransitiva e agonizante como a dos personagens beckettianos. Meu narrador acredita no intervalo. A espera acontece entre o último evento ocorrido e o próximo evento, que pode ser extraordinário. Enquanto isso, ele busca sentido e, se não encontrar, ele tenta inventar um para se justificar, embora às vezes só reste tentar narrar o vazio com alguma pompa. De todo modo, a linguagem é muito importante como instrumento que possibilita o sentido. A impressão que tenho das obras de Beckett é que a relação dos personagens com a linguagem se dá mais no nível da forma, porque eles já desistiram do sentido. Uma passagem de Beckett que me marcou muito foi a de Clov, de Fim de Partida: “Eu falo as palavras que você me ensinou, se elas não significam mais nada, ensine-me outras ou deixe-me ficar calado”. Existe essa desconfiança com a linguagem, como se as palavras fossem ocas. Parece que, no fim das contas, a interação verbal entre os personagens acaba servindo apenas pra ajudar a matar o tempo, que, na verdade, é o fim principal de qualquer esforço. Já no meu livro, a linguagem faz parte de um esforço pra enriquecer a própria experiência. Assim é possível tolerar a vida e aguardar aquele momento fora do comum que se justifica por si só, e que, por sua vez, justifica a espera. O extraordinário é o messias do meu narrador.

Fernando Andrade – Embora não seja um livro niilista, há um pessimismo contra o valor que a religião dá a vida. Por isso seu livro é uma obra totalmente anti-religiosa. Apegada a filosofia do Cioran. Comente.

Anderson Soares Freixo – Acho forte demais dizer que ela é anti-religiosa. Se ela é, deve ser mais por indiferença que por oposição. É um livro mundano, digamos assim. Deus não tem muito a ver com ele, e ele não tem muito a ver com deus. Em Chá de Boldo eu ataco uma ideia muito específica de religião. Aliás, um tipo particular de relação entre as pessoas e Deus. Essa ideia de que Deus fica numa espécie de call center celestial ouvindo os problemas de todo mundo e intervindo para solucioná-los. Não consigo me recordar de nenhuma outra passagem diretamente anti-religiosa. Já sobre Cioran, pra ser honesto, nunca li!

Fernando Andrade – O humor seria a última fonte para revelar o absurdo da existência. Comente esta afirmação.

Anderson Soares Freixo – É a última? Eu sempre tento começar por ele!

Fernando Andrade – O processo de análise envolve a relação de anamnese com as dores, mas seu livro procura uma afirmação ou não da altivez do padecimento. Explane.

Anderson Soares Freixo – Tem uma música do Arnaldo Antunes em que ele fala “Socorro! Não estou sentindo nada. Nem medo, nem calor, nem fogo. Nem vontade de chorar, nem de rir…” Isso pra mim é uma coisa terrível. A dor, às vezes, livra a gente desse tipo de torpor espiritual, e, consequentemente, afirma a vida. Afinal, morto não sente dor (eu acho). Às vezes é bom sentir dor, porque é bom sentir e ponto. É parte do que nos faz humanos. Mas a gente também só aguenta uma certa medida de dor, e depois desse limiar, podemos pensar que seria melhor não sentir nada. Acho que esses momentos de dor são como um corredor polonês que é preciso atravessar, com a fé de que ele eventualmente termina e a gente não apanha mais. Mas enquanto a gente está apanhando, não dá pra fingir que não dói. O negócio é ir em frente. Como eu disse anteriormente, o livro narra intervalos. Momentos de tédio, de angústia, de recolhimento, que são propícios ao exercício de doer. Às vezes é insuportável, às vezes dói mas é gostoso.

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