FA. O mestre ensina, transmite, propaga, sua voz me soou racional. Mas é uma primeira impressão, confundida com outra voz consciente. Me fala desta voz racional ou consciente numa poética quase teatral.
SR: Essa busca em racionalizar a voz poética é por causa da necessidade de organizar o caos interno, as constantes ideias, as emoções e sentimentos que inquietam e as próprias falas do pensamento. Embora parte da recepção acredite que poesia é uma arte restrita ao sentimentalismo, dou minha contribuição em mudar isso, ou ao menos, variar as expectativas e desejos do leitor. O trabalho artístico no poema também passa por invocar imagens inesperadas, insólitas, e entremeá-las ao discurso factual, prosaico e objetivo esperado do dia a dia. Essa voz racional realmente existe e reveza com a da consciência, de forma que eu possa encontrar um ponto de equilíbrio.
FA. A solidão de um ator que tem apenas sua vocação: a voz através de um discurso do pensamento, peça ou poema pode transmitir conformação ou inquietação. Sua poética parece mais a dúvida de uma inquietação. Comente.
SR: Penso que minha poética é um misto de reação, refúgio, proteção e gerenciamento emocional, enfim, nada muito diferente sob o sol do que a poesia é desde sempre. E informo esses lugares em que minha poesia se manifesta, pois, são lugares em que há dúvida; e a forma como me expresso, as escolhas do fazer poético são, em algum grau, busca por esclarecimento. A inquietação é real, questiono constantemente o estabelecido, o que as ‘instituições afetivas’ são e como são instiladas em nós, às vezes como um remédio doce, às vezes alimentação forçada. Na tentativa de navegar tudo isso, a poesia surge naturalmente como espaço de colocar as dúvidas na mesa, analisá-las e extrair algum aprendizado dessas experiências (de vida e poesia).
FA. Há um humor controverso, aquele que através de uma seriedade tensa, provoca a tensão de um riso talvez de choque. Fale sobre isso.
SR: Não sei se controverso é o termo para as raras manifestações de humor na obra, mas considero super válido. Provável que essa impressão venha do uso que faço da ironia, que muitas vezes, é a pura percepção e descrição do cotidiano, das experiências e memórias ou até mesmo do absurdo que nos rodeia constantemente. Esses recortes de ironia são manifestações da minha personalidade que imprimo em alguns poemas e acredito que, além de um propósito cênico que busca causar impacto e desconcertar, também intentam ‘escoar’ um pouco da densidade das emoções mais incisivas ou temas mais soturnos que trazem alguns poemas.
FA. Queria que você falasse da questão do ouvinte. Seu poema ou seus poemas falam para alguém ou uma ausência sentida. Comente.
SR: Realmente, há na poesia de Solo uma tentativa de comunicação, que por vezes é com alguém, outras, com o lugar que esse alguém representa e tem na minha vida (ou na do leitor, tomadas as devidas proporções e contextos). Há momentos em que essa tentativa de comunicação encontra apenas ruídos ou vozes, emoções e pessoas sobrepostas. De qualquer maneira, é acertada a percepção de uma ausência, e os textos surgem como um pequeno estudo ou plano para entender o que ela é, por quem e o que ela significa na vida. A sensação de ausência conversa com a de inadequação, insegurança e dúvida, como já falado. Solo é sobre (dentre outros e possíveis sentimentos) a ausência que nos acompanha ou persegue mesmo que acompanhados e distraídos pela rotina e marcos existenciais; é sobre o corpo que nasce e se compreende só, entre a necessária solitude e a solidão que pode nos corroer, até nosso fim.
Sebastião Ribeiro é um dos nomes que desponta na poesia brasileira contemporânea. É um poeta que precisa ser relido e compreendido. Parabéns, pela elucidativa entrevista.
Tuas palavras que me trazem alegria, Bioque! Obrigado, querido!