FA: Houve na década de 80 um grupo de cineastas que filmaram a geração 80 já adulto, com seus dramas geracionais, crise de identidades, envolvimento amorosos. Lawrence Kasdan foi um. Você constrói um painel brilhante sobre esta mesma década aqui no Brasil, mas com jovens de 15 a 18 anos referenciando literatura, cinema e música. Como foi esta ideia, Explique.
CC: A ideia do livro nasceu da vontade de resgatar um recorte da minha própria vida, já que o romance tem tons de autobiografia e de certa forma, de auto ficção. Por outro lado, partindo do recorte pessoal e de um grupo pequeno de amigos, percebi a chance de tentar fazer um painel sobre a geração que foi adolescente nos anos 1980, que de maneira geral, curtiu as mesmas músicas e filmes, foi alvejada por aspectos diversos da cultura pop e viu a redemocratização do Brasil com a primeira eleição presidencial em décadas, em 1989, em pleno período de descobertas. Então a ideia começou como um relato pessoal e uma narrativa restrita (uma amizade, um triângulo amoroso) mas onde vi o potencial de traçar um perfil geracional já que muitas experiências foram semelhantes. Em tempo, assisti com dezessete anos “O reencontro”, de Kasdan, citado na sua pergunta, que de certa forma é um painel sobre um possivel futuro dos personagens de “Os puxadores de piano”.
FA: Jules e JIM parece ser uma fonte para ti, certo triângulo como no melhor Milan Kundera. Estas desenvoltas triangulações parecem para você exercer certa sexualidade, num período que foi considerado até hedonista. Da investigação do corpo pelos parceiros e parceiras, pela procura do prazer sensorial. Fale disso.
CC: “Jules e Jim” é um dos meus filmes preferidos e teve grande impacto em mim. E o tema do triângulo amoroso é uma constante tanto na literatura como no cinema. Além de possibilitar situações diversas e enriquecer a narrativa, o triângulo amoroso oferece nuances a serem exploradas por um autor: num triângulo há quem ame mais ou menos? Seria possível ele ser harmônico ou alguém ficará de fora? Trata-se de uma mera casualidade ou guarda um toque de perversão? Quanto à descoberta da sexualidade, é um tema importante para quem escreve sobre relações humanas, como é o meu caso, e perpassa meu romance, até porque se trata da adolescência e descobertas, e amadurecer passa necessariamente pela sexualidade (lembrando que mesmo o não-sexo é uma vertente sexual). E o prazer sensorial, para mim que sou assumidamente hedonista, é um tema relevante a ser abordado pela Literatura (como em Hemingway, Vargas Llosa, Anais Nin, Henry Miller, para citar alguns dos meus favoritos).
FA: A amizade para seu romance parece estar num nível acima do desenlaces amorosos. Ficar, passar uma noite, foram meio que emblemas da década, não. Fala desta questão da amizade.
CC: Sim, a amizade, talvez mais que o triângulo amoroso, é o ponto de partida e leitmotiv maior do romance. Não como algo pré-definido e idealizado, mas como em constante construção, como são as amizades, principalmente na juventude, quando tudo é mais intenso e ao mesmo tempo frágil. Na década de 1980 realmente havia entre os jovens a cultura do “ficar”, ou seja, um namoro de uma noite, quase sempre sem envolver sexo, ou mesmo uma glamourização da paquera como um fim em si, e não um meio. Presumo que questões geracionais, que faziam um link com o amor livre do final dos anos 60.
FA: Nunca na década de 80 a juventude foi tão consumidora de produtos culturais, para falar do vinil, da fita cassete, livros e mais livros. Comente.
CC: Na década de 80, sem a existência da tecnologia atual com internet e sistemas de streamings e e-books, por exemplo, o consumo cultural era direto e material. Para obter conhecimento, prazer sensorial com a arte, era preciso ter o disco de vinil, comprar ou conseguir o livro impresso, ir ao cinema, já que haviam poucas maneiras de obtenção disso tudo, afinal poucas rádios tocavam a música que queríamos ouvir e a tv só muito depois iria exibir o filme do cinema. Veio o videocassete, depois o DVD, paralelamente os CDs e MP4 até chegarmos nos streamings e plataformas de internet que revolucionaram nossa maneira de ouvir música. Mesmo a geração de quem tem 50 anos hoje e foi adolescente nos anos 80, pode até manter sua coleção de vinil mas usufrui das novidades tecnológicas como Spotify, Deezer, Netflix e tantas outras. Essa nova geração não vê mais itens culturais como objetos passíveis de guardar e colecionar. E consome cultura da maneira dela, seria uma utopia querer que as gerações seguintes absorvam arte e cultura como a anterior. Embora “Os puxadores de piano” aborde os anos 80 e 90 com carinho, não sou um nostálgico (risos), acredito que cada geração tem suas particularidades de acordo com a tecnologia e espírito da época. Hoje aprendo mais com meus filhos, de 28 e 22 anos, do que eles comigo.
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