por José Fontenele – escritor e jornalista
Em “Obras são morfemas” (Editora Litteralux), novo livro do escritor, poeta e crítico Fernando Andrade, encontramos a musicalidade, a metalinguagem e o desafio à forma, algumas características próprias do autor, acrescidas de certo componente mitológico e fabular. Esta camada agrega novo significado ao livro enquanto nos relembra a função mística da literatura. Ele estica-comprime orações, significados, para “dar a verdade / a mentira,/ a ficção discursiva”, como nos adianta na epígrafe do livro.
O mais notável entre os textos do novo trabalho de Fernando Andrade é o desapego às convenções dos gêneros de escrita. Não podemos dizer que esta é efetivamente uma obra de contos, poemas ou pequenas histórias. Há “contos” que parecem finalizados com “poemas”; ou mesmo estes funcionam como intertextos entre uma história curta e outra. Fernando não se prende às convenções, mas agrega novas composições ou características em nome da musicalidade e do objetivo do texto. Importa o efeito, o sentimento que aquelas frases evocam ao desfilar durante a leitura.
A escrita é fácil, mas precisa ser feita de forma atenta. Melhor se fosse lida em voz alta. A leitura de textos que ressoam em música, como os escritos por Fernando, escondem esquinas de sons, labirintos de significados, por isso cada frase tem que ser lida e, em reflexão, apreciada. E não apenas pelo som, mas pela metalinguística própria do autor, que transforma países em viciados, sentimentos em pessoas, formas geométricas em objetos de fácil compreensão, entre outros. Com facilidade Fernando agrega novos signos aos seus substantivos, uma característica do poeta que escreve ficção.
Ainda neste assunto, um destaque é para o texto “jogo da grama entre vírgulas e pontos, rumo ao texto final”, em que o escritor descreve um curioso jogo de futebol onde sinais gráficos e orações disputam entre si, e “até poética vinha a ser o jogo em si, na sua dinâmica de conto, romance ou até um nobre poema”. Além do componente metalinguístico e, paralelamente, absurdo, é curioso como o autor usa elementos do cotidiano nacional e os submete à própria visão poética do livro, criando uma interessante nova possibilidade.
Há, entre os ficcionistas, uma grande preocupação sobre como (re)conquistar o leitor, e com certeza a resposta (embora não seja apenas uma, ou não seja fácil) passa pela ideia de Multiplicidade de Umberto Eco, que pode ser resumida como a característica de explorar o “potencial semântico das palavras, de toda a variedade de formas verbais e sintáticas, com suas conotações e coloridos e efeitos o mais das vezes cômicos que seu relacionamento comporta”. “Obras são morfemas” é muito conectado com esse princípio do filósofo e escritor italiano, e, como tal, é um ótimo exemplo do que pode ser feito com o próprio texto, horizonte de significados. Boa leitura!
Be the first to comment