Prosa de Tiago Rabelo

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Refluxo

– in memorian
 
Morava perto do grande aeroporto, que era uma maravilha, pois era fascinado em aeronaves. Pela madrugada, lá, como sempre, o fluxo aumentava e, no mínimo, uma vez por noite ele acordava com o barulho de uma descida num despertar espantosamente agradável. Mas naquele dia, não. Sentiu medo, um aperto acelerado no peito e o gosto amargo de uma oração.
 
– Santo Deus! Eu acordei no pesadelo.
 
Daí atravessou-o, como um tiro, o seguinte eco:
 
– Querido, a vida é tão traiçoeiramente rápida que nem dá tempo de se armar pra ela.
 
Viver é mesmo muito perigoso.
 
 
 
 

 

na memória,

lá início, desde agora
 
– oi.
O menino em frente à janela tentando descrever o mundo. – oi. (vazio) – Te mandei mensagem, não respondeu. – Mudei de número, xxxx-xxxx (vazio mais vazio)
Quatro anos depois…
… o primeiro poema na memória do primeiro beijo. Beijo de luar. Noite nostálgica.
A vida é supremada. Quem é que sabe dizê-la? É dose. É dita. Desdita. Não dura tanto. Tudo se desmancha como água ao vento. Não foi o caso. Amor é materialmente mais resistente. Materialmente é regá-lo sempre. [á…] o amor, essa é a história. Amor é rio que sobe ladeira. É ir na contramão do agora. Amar. Amar-te. A alegria do escrito diz: aquele sentimento leve, solto, é rio transbordante formando a outra margem que inunda e invade. A vida é toda rio-rios, saciar-se de beber em rios –- todo sempre. Viver.
Lá início… – oi. – oi. – bom dia. – bom dia. – gosta de ler? – bastante. – tô lendo agora… – adoro o autor. – já leu? – não. –- te dou de presente então.
Tudo mudou. É sempre um detalhe. Uma fração. Um milésimo. Tudo muda. É assim, sim. Ninguém tem controle.
Viver é rio, disseram. Mistério é a alma dos homens. No fim de tudo, no material da carne, somos todos escravos de nós mesmos. Quem só pensa em pensar em si não sabe dos outros, e no real todo mundo é assim: mudo, não é, não? O mundo somos nós.
O vasto mundo é menor que a memória/carga. Mundo tem fim, memória/carga é infinda. Pense e veja! Ainda mais valorosa é aquela que guarda e guia. Não era a dele, mas cuidadosamente ele não esqueceu….
Eles disseram se amar. Mas amar não é assim, como quem diz só dizendo. Amar é ninguém decidir por decidir. Amar – também – não tem fim, não tem início. É o imerecido querer. Amar é sementinha – “amorzinho”. E quanto mais inocência juvenil, mais amor, amar.
 
 
 

 

tiago rabelo, teresinense de nascimento e de tradição, habita a margem direita do rio – rente ao novo mundo. estudante de licenciatura plena em História pela Universidade estadual do piauí. tem poemas publicados na “antologia poética gritos contidos” e na revista literária do SESC caixeiral,“escrever sem fronteiras”. “as vozes desse rio” é o seu livro de estreia na literatura (editora multifoco, 2018.1)
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