3 poemas de Renan Nuernberger

 

RENAN NUREMBERGER 200x300 - 3 poemas de Renan Nuernberger

Luto, 2017, Renan Nuernberger, Ed. Patuá

 

 

TRÊS MOMENTOS NA NOITE
 
1.
parado no ar
desta madrugada
o som metálico das panelas
já não soa. tudo amanhã
será notícias para jornais,
conversa no café, motivo de
piada.
 
as pessoas estarão
satisfeitas, com um ódio
que anima para a vida (essa
lacuna entre uma morte
e outra) dos números,
das letras, dos processos.
 
tudo amanhã
soará de novo:
apitos, sirenes,
toques, buzinas,
um bocejo em meio a tudo
(amanhã será notícia o que
não houve. na tevê,
que confirma o uníssono,
consome-se outra farsa),
tiros
ainda na memória
de alguma viela da cidade.
 
2.
num planalto qualquer
, há trinta mil anos,
neandertais vislumbram
estrelas. o que sustenta
tanto brilho, parado
no ar,
durante horas? – em que
grunhido
indecifrável indagam?
fazem poemas? gravuras
em troncos ou pedras?
 
sonham com a morte?
(amanhã partirão
para outras
paragens
em busca de alimento)
 
em breve, nenhum deles
existirá sobre a Terra.
as estrelas continuam
pulsando enquanto
(em cismar – sozinho –
à noite)
escrevo.
 
3.
parada no ar
, a estrela d’alva
permanece
até que a aurora
interrompa sua existência
visível (para nós)
na Terra
 
mas uma astronauta
, também
trapezista,
em sua vigília
na grande nave
rumo ao centro
da via-láctea se estica
plena
na gravidade zero e
(o cosmo) observa.
 
solitária,
 
sonha com a vida
pequena
em esparsos planetas
ou ainda, parada
no ar,
desta madrugada,
com a voz
de alguém que ecoa
(tiros) na memória.
 
sente-se suspensa (
os demais tripulantes
agora descansam),
em meio ao assombro
da guerra
que consome
enfim
o pouco que nos resta
 
e, por um segundo,
(ignora as câmeras
e as ordens de comando)
apenas dança
como quem inventa
uma nova chance
para tudo o que ama
 
: eis meu poema.

 

 

 

LUTO
para Carlos F. B. Martin

um dia o cultivo – secreto – de flores
/ do amor abstrato aos gestos concretos
(mãos imundas de terra, projetos, suores) /
romperá o asfalto de um modo insurrecto

e claro em seus livres mas caros valores,
luzindo com porte de coisas solares:
fraturas expostas na esteira dos séculos
avessas, em tudo, aos seres suaves.

pensando em matizes de cor tão vibrantes
, que nem poderia – que pena? – cantá-las,
resguardo-me apenas ao mero recolho

do exemplo, preciso, presente no ato
(a rose is a rose is a rose is a rose…)
de grande coragem que é ser generoso.

 

 

MÍNIMA CANTADA

com tanto amor
(assim mormente)
meu bem prescinde
de qualquer canto

 

 

 

Renan Nuernberger nasceu em São Paulo, em 1986. Publicou Mesmo poemas (Selo Sebastião Grifo, 2010) e Luto (Patuá, 2017), ambos com apoio do ProAC da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, e organizou a antologia Armando Freitas Filho (EdUERJ, 2011) para a coleção Ciranda da Poesia.

Please follow and like us:
Be the first to comment

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial