SEM TÍTULO
Sem dificuldade a chave gira remoendo as tripas da fechadura
Como uma palavra mágica, ela abre a porta
Mas não é isso que fará o cômodo tornar-se menos exterior
Já fui testemunha de que muitas vezes o choro pode ser contagioso
Se alguém chora “um rio de lágrimas”, você é uma foz em potencial
Também há os choros que não vi nem ouvi
E ninguém os viu ou ouviu
Nem mesmo aquele que deixou de chorar
Porque lhe faltou uma chave ou uma palavra mágica
Esse indivíduo salga e seca sua tristeza como um charque
E ninguém o acompanha em sua secura
A não ser o sol e o solo trincado
Feche a porta, morador desatento
Seus vizinhos são invisíveis
E a única terra que você conhece é mineral
SEM TÍTULO
Enquanto dormem,
Ele sabe suas pernas cruzadas,
Debaixo delas, suas mãos,
Seu rosto coberto;
Ela sabe seu ronco,
Suas costas arfantes,
Sua face soterrada.
E o vento sabe a fumaça da chuva,
A fumaça expia o passado do fogo,
O vento passa trazendo vida às brasas.
SEM TÍTULO
Um jornal diz que glúten incha e mata,
Não cabe então mais massa na dieta;
Alguns vendem notícia tão incompleta,
Num novo artigo lê-se em outra data.
A TV ao prefeito clama grata
Por ter enfim batido uma só meta.
Para a revista a meta está incorreta
E publica em protesto longa errata.
Na internet não dá trégua o conflito:
Uns acham toda crítica canhota,
Outros, que toda paz esconde a luta.
Entra entre a treta e o trato o amor ao mito?
E mais não digo, porque a Musa trota
Em ata, eta, ita, ota, uta.
Bacharel, mestre e doutor em Letras, Del Candeias é autor dos livros “Uma dose de cortisol e uma porção de serotonina” (poesia), “A Louca” (romance), “Dois de novembro” (conto), “Cantos do ermo e da cidade” (poesia), “A Flauta Mágica o Livro da Sabedoria” (romance juvenil) e “Fausto” (romance juvenil).
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