Três poemas de Jr. Bellé

jr.bellé foto 300x169 - Três poemas de Jr. Bellé

curta metragem Trato de Levante

 

 

ele afogou as mágoas
ela afogueou as taras
depois de que o fim chegou
 
fogo e água são tão iguais
quando chega o desamor
 
[Poema inédito]
 
 
 
 
crie              galinhas           e                 crie             pintos              crie                sambas                   e            samambaias           crie            lágrimas                       e   poemas(se quiser dizer tudo sem saber de nada) crie deus e crie porcos (no chiqueiro do seu coração) crie minhocas (e tenha terra fértil                  para as hortaliças ou iscas para peixes preguiçosos) crie cobras (na cabeça) e cachorros (pra te lamber a cara) crie calos na alma (e golpeie a vida com mais confiança) crie obras-primas e crie grilos (com o mesmo talento e a mesma dedicação) crie vergonha crie problemas e crie até mesmo ilusões (caso a paixão tenha se avolumado tanto no peito que chegue a faltar o ar) crie ervas daninhas (para espairecer) crie caso crie filhos cavalos oceanos crie juízo crie o que for mas não crie esperanças (não crie esperanças:) só isso já bastaria para salvar o mundo das trevas
 
[Do livro “amorte chama semhora” (ed. Patuá)]
 
 
 
 
 
XIII
[o tempo é um velocista
e hoje me sinto velho demais para acelerar a vida
ou exceder a morte
cronometrando-me neste tiquetaquear
e por alguns benditos e rápidos segundos
vencer os ponteiros da história
 
tudo que preciso neste momento
é lamber a boceta de valentina
e com seu gozo úmido e doce
já na ponta de minha língua
selar o último baseado
no salmo noventa e um
e enrolar este agora no versículo sete
 
enfim acender os céus na lonjura restante
que incendeia com a labareda fugaz
da nossa juventude passageira
ardeu-nos pelas lembranças desfeitas
até finalmente apagar-nos
no jamais
 
valentina estava calada
quase imóvel
mas ofegante com aqueles ondados e suados
cabelos negros
esparramados em meu peito
ainda mais ofegante
 
em breve o sol virá
esbofetear-nos a cara
sabemos que não haverá chance
será o mundo inteiro contra dois
por isso, a sós
nas sombras de lençóis tão conhecidos
até o impossível
escondíamo-nos dele
 
puxei na primeira névoa do baseado
o poente orgasmo de valentina
queimava entre pele e unha
a densa neblina
ao redor da língua ia dentro de mim
assim como há pouco fui
dentro dela
 
lá fora tudo é a mesma segunda-feira
a mesma queixa berrada
por ais sem paixão
mas não aqui
não debaixo dos cachos de valentina
não enquanto o relógio arma em silêncio
seu bote infeliz em nosso silêncio
 
sussurrei com a brisa entre os alvéolos
“meu amor”
e passei depois do segundo pega
como acordamos há tempos
em nosso trato
de enredadeiras sílabas
mas com o baseado ainda entre meus dedos
o enlaçou com os lábios
e pitou chorando, mansa
valentina
 
é duro resignar os planos
à triste ciranda capitalista
mas juramos nunca nos ajoelharmos
diante da vida
nem com a vida adiante
nem mesmo quando ela reacender
outra e outra vez
os motores sanguinários
de sua imparável máquina
de moer sonhos
 
pois quero acreditar que ela também acredita
que aqui
em nossa utopia
de alguma forma
encontraremos o caminho certo juntos
e parecia segura disso
quando tragou com voracidade
uma lufada de esperança
e segurou meu rosto próximo ao seu
para cochichar das negras tormentas
e assoprar para longe as nuvens escuras
que nos impedem de ver
a fumaça bailar a poesia da revolução
até minha boca
de barricadas
 
o relógio, de repente, gritou tão desesperado
que lhe rompi as horas
despedaçadas na parede
por onde os primeiros raios avançavam
indiferentes
pelos desprotegidos flancos do quarto
a fim de cercar-nos à ribeira da cama
 
valentina aconchega-se em meu pescoço
e os observa sem medo
do alto do nosso fronte
morde, delicada, meu queixo
respira, sem pressa, e pergunta:
 
“o que você faria
por cinco minutos mais
de eternidade?”]
[Do livro “Trato de Levante” (ed. Patuá)]
 
 
 
 
Jr. Bellé é poeta nascido no velho oeste paranaense e radicado na pauliceia há dez anos. Tem um livro-reportagem publicado, Balaclavas & Os Profetas do Caos (Livro Novo), e três livros de poesia: o sonhador que colhe berinjelas na terra das flores murchas (edição do autor), Trato de Levante (Patuá), amorte chama semhora (Patuá). Foi um dos poetas homenageados no Festival Literário de Paulo Afonso de 2016 (FLIPA). Seu penúltimo livro, Trato de Levante, tornou-se um curta-metragem que rodou por sete festivais em seis países e venceu o Star Film Fest 2015, na Croácia, categoria Melhor Filme Experimental.
Pode ser encontrado em facebook.com/
Trato de Levante: https://vimeo.com/
Instagram: @jr.belle
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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