Morosofia
Explorei neste mundo dimensões extras:
A tulipa cresce na cabeça do louco
A tulipa é o segundo coração do artista
Tenho, desvairado, tulipas demais e tenho miolos de menos.
Sou um tradutor de absurdos
Delirante por vocação.
No eclipse encontra-se o sol co’a lua
E quem desaparece sou eu
Minha sombra projeta a noite no céu.
À vida ardente nos continentes, oceanos e fábulas!
Um louvor aos loucos que dançam bêbados ao meio-dia!
Tenho-me visto dormir à deriva
Passeado sonâmbulo pelos bares
Pedindo inspiração pra beber.
No dia seguinte acordo entre cinzeiros vazios
Cinzas e bitucas pelo chão
Garrafas, às dezenas, bebidas pela metade.
E meus sonhos me transbordam.
Autoimagens
Estou desconfortável em mim e na vida, vesti mal o corpo como um terno emprestado de alguém de outro tamanho, de alguém de outras ideias.
Alguém faz outra música, alguém pinta outros quadros; ou ninguém faz música, não pintam quadros.
Estou sozinho nos corredores da Via Láctea. Dormi febril no chão de Laniakea.
Estou vagando no deserto! Um rio inteiro far-se-ia areia se tocasse minha garganta. Far-se-ia o Paraíso areia, se sob meus pés. – há mais areia em mim que estrelas há lá fora.
Tenho sede de sonhos mortos: fico sentado no vagão para esperá-lo partir nunca.
Viajo em silêncio sobre o trilho circular que, criança, montei em meu quarto – e que hoje é o mundo-inteiro.
Sonhando para a esquerda indefinidamente o mundo é sempre o mesmo.
Meu vagão é o planeta que orbita chão de meu quarto esquecido.
Estou pálido diante de mim:
Olheiras de quem não dormira nunca, cabelo desgrenhado de quem recém acordou…
Dou-me a mão e retornamos ao mundo.
Toda Poesia que Escrevo…
Toda poesia que escrevo tem em si um algo de despedida.
Despeço-me das emoções que, voltando,
forçam-me a escrever outra vez.
Despeço-me da vida que, continuando,
força-me a escrever outra vez.
Despeço-me dos dias que passam,
das lembranças que me cercam entre palavras e imagens.
Guia-me a transitoriedade da vida que muda
e é a mesma sempre:
a consciência do absurdo de que fui outro em meu passado
e serei outro em meu futuro
e que a dor é a mesma sempre.
Despeço-me do assombro de carregar comigo tanto
de coisa nenhuma.
Nesta falsa despedida vejo partir com saudade
as tristezas com que me depararei amanhã.
Sinto nostalgia pelo que não aconteceu nunca,
e repulsa antecipada pelo que provavelmente nunca ocorrerá.
Tenho tanta fome de vida não vivida!
tanta sede de expectativas abandonadas…
(expectativas que descrevo e de que me despeço, sem me ressentir).
Imaginei que fosse a vida um sonho comprido,
como quando o sono não basta e cansa,
acordei despejado em minha própria realidade:
Estou vivo por acidente;
Morrerei com certeza e sem objetivo.
Mas me despeço até deste pesar inventado
para fingir que ainda acredito nesta vida,
que as emoções correspondem ao ser que as sente
ou à vida que lhes dá causa.
Viver é uma despedida constante
de todos os reencontros inevitáveis.
Despeço-me
para simular ineditismo em meio a tanto marasmo.
Despeço-me
para que seja outra a tristeza diária.
Despeço-me
para que cause surpresa
o contentamento enfadonho e finito
que pretende tornar tolerável a falta de sentido que é existir.
Diante do meu porto imaginário
os cargueiros partem para o horizonte e retornam.
Carregam consigo toneladas de mais do mesmo.
Carrego a esmo cargas para dentro e para fora do barco.
Carrego a esmo emoções para dentro e para fora de mim.
Carrego a esmo a vida até que a veja partir para sempre.
Diante do meu porto imaginário descrevo o espanto
de todas essas sensações em poesia de pretensa despedida.
E me despeço na saudade
que ainda não sinto. E me vejo partir nestas linhas…
Como a vida, abandonei à mesa a garrafa ainda cheia.
Paguei a conta antecipando o despertar
Irracional, não linear como a linguagem dos sonhos
estou me refugiando na frivolidade das palavras que escapam
no ar desta estranha miragem
…A poesia é prosa bêbada.
Thiago dos Santos Nelsis, nascido na cidade de Uruguaiana-RS, em 15 de junho de1985, Oficial de Justiça, pós-graduado em Direito Público e Processo Civil, e membro da Academia Uruguaianense de Letras. Autor de brinde Noturno e Outros Poemas (2012) e Mecânica (2018), coorganizou eventos literários, foi colaborador do jornal Tribuna de Uruguaiana e apresentador do programa semanal Balcão Cultural na Rádio São Miguel AM 880.
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