Três poemas de Kissyan Castro

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MULHERES INACABADAS
 
# 1
 
o comportamento da luz tem no corpo
inúmeras paisagens,
como a bigorna do sangue
a própria espessura espetada no silêncio.
 
debaixo da luz, por exemplo,
o carbono perde sua fúria litúrgica,
não escoa como os jardins
na obsessiva nervura dos séculos.
 
o comportamento da luz só abriga
a luz quando em seu halo
dormem verdugos acariciáveis.
 
(o comportamento da luz
tem suas próprias alimárias
nos orifícios do corpo)
 
não queira iludir-se domando janelas
e mais janelas. não molestes o fonema
cumprindo seu plantio.
 
o leito tem a mágoa de uma resma hedionda.
nele as frutas têm som de peixes
e as águas falam para os dedos. a luz é íngreme.
 
falta-lhe a marcenaria dos ritmos
e a digestão dos espelhos implícitos.
 
a pressa com que se despe
segue o mesmo parâmetro das fábulas.
(há litígio em escoltar fábulas?)
 
o comportamento da luz tem no corpo
inúmeras mulheres inacabadas.
a inocência com sua geometria
de cavalos incircunscritos tem no sangue
o sabre de uma idade ancestral.
 
 
 
# 2
 
há tempos em que na vagina
dormem semáforos.
o coice da noite arranca um ramo da ilíaca,
um coice enorme
com suas galerias audíveis. os semáforos
encobrem a musicalidade das artérias,
a ilíada que vergasta a têmpora,
a olaria dos músculos.
 
nada segredam.
a noite do corpo tem muitos pavimentos.
 
sua órbita de água e arbusto percorre a sílaba,
imensa sílaba no êmbolo de tuas coxas,
hábil sílaba de muitos pássaros de ideias,
de idades inquilinas
ajuntando frutas e bichos de graves embarcações,
semáforos,
vaginas.
a noite do corpo tem muitos pavimentos.
 
há tempos em que as noites são condomínios,
penínsulas.
há noites que caem nas repartições,
no campo com seus cães sonolentos
urinando cartazes de campanhas perdidas.
 
a sustém a mulher de sete punhaladas de luz,
a mulher de labaredas de feno
e orifício de legumes.
 
imaginar as coisas como mulheres profundas,
cada coisa ocupada em sua rosa,
bramindo suas rosas monetárias
sob a convulsão das ventas.
 
(soquei o espelho e com os cacos compus maçãs,
garfos,
enigmas.
o sangue é puro ofício.
minhas mãos corrompem a livre demanda.)
 
apalpo a abrupta respiração da noite
com minha torre de leite
e minha ogiva concêntrica.
 
 
 
NÃO SE ATA A MÃO DO POEMA
 
no pão dos léxicos
o poema esbraceja
acéfalo:
 
indecisa metrópole
com suas ancas de fruta
e orfandade,
 
prurido apenas
na zoologia gástrica
dos ventos.
 
o poema sem burca
mija o descalço fruto
da alma em remorso.
 

 

Kissyan Castro – poeta e pesquisador maranhense. Autor dos livros Vau do Jaboque (2005), Bodas de Pedra (2013), Maranhão Sobrinho – Poesia Esparsa (2015) Rio Conjugal (Ética, 2016) e O Estreito de Éden (2017). Tem poemas publicados em alguns sites e revistas como Caqui, Germina, Mallarmargens e Portal de Poesia Ibero-Americana, de Antonio Miranda. Atualmente colabora no site www.barradocorda.com. Bacharel em Teologia, servidor público, membro efetivo da Academia Barra-Cordense de Letras e, nas horas vagas, professor de grego clássico.

E-mail: kissyancastro@hotmail.com

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This Article Has 1 Comment
  1. Joelma Dias Reply

    Belas poesias! Parabéns, poeta e muito sucesso.

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