O ENFORCADO
1.
Tem muito de boneco, o morto.
Os olhos gritam. A boca
pasma o desamparo
do brinquedo sem alma,
sem a mão,
sem o sopro vital
do velho ventríloquo.
2.
Talvez de marionete, morto,
o corpo pende. Levita
em fios secretos, mal regidos,
traídos pelo fio fatal
que ainda o suspende,
cordão fetal que o prende
ao ventre escuro.
3.
Se não de boneco, fala o morto
mudez de pipa, extraviada
em fios da rede elétrica:
o tétrico adorno,
o rígido móbile
e a ciência tardia
dos ventos, que mudam.
4.
Algo de peixe, sim, evoca o morto.
Nem tanto pelos olhos,
que exorbitam,
mas pelo corpo içado.
E a linha vibra
ainda o golpe astuto
que ele armara,
sendo, no mesmo lance,
pesca e isca.
O RELÓGIO
Na parede da sala,
o velho relógio
engana o tempo:
parados
ponteiros,
pêndulo.
Na gaiola dos anos,
uma ideia fixa
vai e
O SOM NÃO SE
O som não se propaga no Espaço.
Nem os fluidos da palavra arpejo,
nem o gotejar das contas do staccato
(e o que há de cascata, embora seca,
em seus espasmos datilografados,
no estalar de lagarto entre gravetos,
na língua de relógio de seus arcos).
Que som algum, nenhum, vaga no vácuo.
Nem mesmo as ondas da palavra onda,
quando explodem nas pedras deste Cabo,
e a rajada que atinge, e tinge, em cheio
o papel, alvo móvel, fuzilado,
nem o desenho em espiral da fuga,
que, no elepê, é tátil, tatuado.
Pois nenhum som ressoa nesse hiato
entre as noites de eternas duas pausas.
Nem mesmo o sim da pulsação ouvida
na gaiola por Cage engaiolada.
Somente o cio desse silêncio em si,
que é o som já nãossendo, inversa vaga,
somente o frio desse não ser sem fim,
mote justo, é que, enfim, nunca se apaga.
Expedito Ferraz nasceu em Maceió, Alagoas, em 1970, mas radicou-se em João Pessoa-PB desde a infância. É professor universitário e crítico literário. Em 2014, publicou Poheresia, pela editora A União, e em 2018, O visgo das coisas, pela editora Penalux.
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