Três poemas de Dagmar Braga

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como se fosse domingo
desabotoei as horas
l e n t a m e n t e

abri minhas gavetas e deixei
suspensa
a esperança ilegível

recolhi o desejo
a memória

como se fosse domingo
deixei a solidão lançar seus fumos
meus destroços e lendas

aprontei o turíbulo
– a prece pelo avesso –

desentranhei-me –
o coração vadio

o corpo
o olho nu
como se fosse domingo e um deus dormisse

Geometria da Paixão, Anome, 2008

 

 

Arquitetura do Sonho

se uma primeira vez
povoa fundamente
tua memória

alisa – como brisa
o pensamento
e serpeia – sibilante
a madrugada

se
no maravilhamento
na luz
no desconcerto

guardas em ti
a ternura
do primeiro colo
do primeiro beijo

o desfalecer
de uma partida

o sabor
da fruta madura e túrgida
compartilhada em silêncio

a fragilidade
da flor exausta
espetalada de luz e beleza

é que a poesia da primeira vez
te sustenta de assombros
de abismos
e desejos

e nas delícias e enganos que colheste
com a avidez dos ninos

te enreda
entre árvores e ventos
nas águas da paisagem original

e como se a primeira vez
a vida – a cada dia –
se reinventa em ti

A Primeira Vez (Vinte e quatro autores), Mazza Edições, 2007

 

Negror

negra é esta noite
que fascina
atrai
e subjuga e sorve
a cada sonho
o sangue       o sol

negro é este mar
que nos separa
e embala
em fome em sede em dor
nossa esperança cava

negra é esta ausência
é este não viver
esta insolência
de vendilhões e trapizongas loucas
a anunciar a falta
de desejo que nos cega

Arqueologia, Editora Patuá, 2016

 

 

Dagmar Braga, natural de Pitangui (MG), reside em Belo Horizonte. Professora, dedica-se à promoção de Oficinas de Literatura. Criou e gerencia,desde 2006, o Espaço Cultural Letras e Ponto, onde acontecem oficinas, encontros, exposições, palestras, saraus, debates e degustações de peças artísticas. Organizou as antologias Noites de Terça (2007) e Oficina da Palavra (2011), com trabalhos desenvolvidos em oficinas. Tem textos publicados em antologias, jornais, revistas, plaquetes e sites literários. Publicou Geometria da Paixão, Anome, 2008, finalista do Prémio Jabuti e Arqueologia – Editora Patuá, 2016.

 

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