pequenópolis
“Somebody save me
Let your warm hands break right through
Somebody save me
I don’t care how you do it
Just stay”
(Remy Zero)
você pode até ser um deus ou um narrador construtor
desses de fazer as coisas todas de mundos
em tais dias e tais noites
pra nem falar em números
você pode até ser um deus ou um narrador desses
mono
desses das onisciências e das onipotências e das onibenevolências
pra nem falar em presenças
e é bom não é
eh
mas você já sentiu a sensação assim em pleonasmo mesmo
de colar na favela depois da tempestade de vento
ou qualquer outro evento menos ou mais supersticioso
menos ou mais dos cunhos dos cataclismos
enfim depois
que qualquer coisa menos ou mais deífica
terminou com os barracos os negócios todos destroçados
será que você já sentiu a sensação
de olhar na cara das parça e dos parça da mãe e do pai
depois de despejarem
a última das latas de concreto na armação da laje
a sensação de reerguer uma casa
que é em outras línguas talvez não do ramo
da árvore das mais cultas ou mais hebraicas
re construir e ou criar pela segunda vez
a sensação de se sentir não um deus um
sei lá o quê acima de tudo
aqui só a sensação de sentir as mãos por igual cravejadas
na brita e pela brita
sentir pesados todos os seus antebraços num movimento
as caras entre as mãos como um dos nomes coletivos de cansaço
que aqui se atende o que pedem com presença
às vezes local às vezes periférica
aqui esquece essa de réstias de céus fisgando o solo
aqui nos damos aqui o que se oferece é isso
um dos nomes coletivos de força
pendurar-se na espessura dos alicerces
para falantes doutras línguas
com Nathaly Hanemann
o dicionário num seis de janeiro
saudade
sau da de
nome
a depender da edição
substantivo
feminino singular
um
mito do labirinto
desses criados e regidos
por essa entidade
que aos olhos
ao tato
nega
o que à imaginação reitera
que te lembra de não feitas
revisitadas viagens
embarga teus aviões imaginados
esconde malas não aprontadas
pesadas já do que não cabe
que divulga na tua timeline
um evento que já passou
que coloca na tua mão papéis
com histórias inescritas
te faz rever tudo o que é entrelinha
que passeia pelo punho do velho violonista
as peças já até decoradas
mas crava com a dor da artrite
a incapacidade de executá-las
que te coloca uma outra última vez
frente ao massacre que extingue
o último dos samurais
na quase lágrima derramada chorar
todo o silêncio de vidas passivas
impotência
não poder correr dar um último abraço
que te faz dar murro em ponta de porta
órfã de fechadura
onde será que ela guarda essas coisas
qual será a gaveta mais bonita
de guarda há distância
afiada tipo navalha
atadura que não estanca nada
essa foto na palma
há espaços ainda
em tempo de serem jamais
uma derradeira vez habitados
a cada seis de qualquer mês
um pouco de janeiro
pra fazer valer essa coisa
que se faz taxa sobre os devaneios
pagar pelos próprios sonhos
pesadelo
ah saudade e seus subprodutos
no mais metáforas e chinelas
já há muito pisoteadas
tinta e papel
mais nada
crescendo em campos no sul
de portugal
a mão que perfura verso
com Camila Braga
memória encravada
palpável
sente na pele em tempo
real o perecer da carne
não há dor
que tinta e derme não enfrentem
a mão que rasga e o couro ciente
implacáveis
agulha e vinil
e umas canções deslaceradas
dizem
vai pro corpo que te carregue
tatuagem
Ricardo Escudeiro (Santo André-SP, 1984) é (ex) metalúrgico e (ex) professor. Autor dos livros de poemas “rachar átomos e depois” (Editora Patuá, 2016) e “tempo espaço re tratos” (Editora Patuá, 2014). Atua como editor na Fractal e assistente editorial na Patuá. Idealizou e montou, em parceira com o artista Leonardo Mathias, o work in progress “A mecânica do livro no espaço”, dividido em três temporadas: “piloto”, na Casa da Palavra, em Santo André (2016), “segundo movimento”, na Biblioteca Alceu Amoroso Lima, em São Paulo (2017) e “desmonte”, no Patuscada – café & livraria, em São Paulo (2017). Possui publicações em mídias digitais e impressas: Escamandro, Germina, Jornal RelevO, LiteraturaBr, Revista 7faces, Flanzine (Portugal), Revista Gueto, Enfermaria 6 (Portugal), Poesia avulsa, Poesia Primata, Mallarmargens, entre outras. Traduziu poemas da poeta afro americana Nayyirah Waheed, que foram publicados nos formatos PDF, EPUB e MOB para download livre, pelo selo gueto editorial, da Revista Gueto, em 2017. Publicou mensalmente, entre 2014-2016, poemas na Revista Soletras, de Moçambique. Participou das antologias “Os pastéis de nata ali não valem uma beata – antologia de 2017” (Enfermaria 6, 2018), “29 de abril: o verso da violência” (Editora Patuá, 2015), “Patuscada: antologia inaugural” (Editora Patuá, 2016), “Golpe: antologia-manifesto” (Punks Pôneis, 2016) e “Poemas para ler nas ocupa” (Editora Estranhos Atratores, 2016).
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