Três poemas de Clarissa Macedo

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Terraço

Não há lugar em que eu me sinta em casa
Não há salvação.
A sirene roda alto
e o lá fora é meu tórax cheio de inverno e de vazios
:
minha mãe morta em 86
o maço de contas que me fazem
um número
o avô fugindo na mata
e os porões como almas que choram no caminho

Amei tanto que parei no meio
(o oco é um futuro sem volta
é minha humanidade depositada no meu cão)

Nosotros in USA
seríamosfelizestalvez
ignorando o pano de chão no varal há trinta anos
o pó da mala
nossos parentes atravessando a rua do muro
roubando batatas direto da plantação;

e seria só um protesto tímido
a infelicidade que habita o tempo do futuro.

 

 

Iluminuras

para Orsmida Maia

Alinhavar a íris do tempo
em teus cabelos
sentar ao pé da vida
e ouvir dela de nomes e cimos;
sair ao chamado do óleo quente
a transformar a massa em patos, galinhas
e outros desenhos
pegar das tuas mãos a promessa de açúcar
e fugir à rapidez do desagravo
iluminando motivos de abandono.

Sei que o teu sangue fugiu numa rajada
quando à vida chegava tua última cria
e é só.
Mas como eu vibro ao imaginar
tuas mãos, teus conselhos
como vivo contigo! E é tudo.

Te aceno – por me fazer sonhar.

 

 

Altar

Migra a coisa escondida
sem hora, sem dia.
O tempo repousa fundo
e corre pelas sombras e pelos vales.
Será que volta? Será que vem
levar da vida
as horas de trabalho,
as rezas não ouvidas,
os olhos demonizados
num lugar que não acalma,
nem guia
mas bate e apavora?
Será que é pra lá
que vão?

Não olham o céu ou o dicionário
Mas, ah, a novela
– esse livro didático, esse mantra,
essa bíblia que enlouquece.

Deus proteja a família:
os filhos adoecidos,
a mulher lavando pratos,
o homem na rua babando por criancinhas
– o museu fechado.

O mundo e sua indústria da carochinha,
é dele o dinheiro sagrado.

 

 

Clarissa Macedo, doutoranda em Literatura e Cultura, é escritora, revisora, professora e pesquisadora. Apresenta-se em eventos pelo Brasil e exterior. Integra coletâneas, revistas, blogs e sites. Publicou O trem vermelho que partiu das cinzas(Pedra Palavra) e Na pata do cavalo há sete abismos (Prêmio Nacional da Academia de Letras da Bahia, 7Letras, 2014; em 2ª edição pela Penalux, 2017; e traduzido ao espanhol por Verónica Aranda, editorial Polibea). Este ano integra o Circuito de Escritores pelo Arte da Palavra, promovido pelo Sesc, percorrendo cidades brasileiras e propagando a literatura. Prepara dois novos livros. Contato: clarissammacedo.blogspot.com

 

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This Article Has 4 Comments
  1. Rubervam Du Nascimento Reply

    Excelentes os poemas da Clarice Macedo que acompanho há um tempo, desde que dois outros poetas amigos me apresentaram a sua poesia, o José Inácio Vieira de Melo e o Salgado Maranhão. Tenho comigo como livro de cabeceira Na Pata do Cavalo há sete abismo, edição das 7 Letras. Merece releitura.

    • Clarissa Macedo Reply

      Olá, Rubervam, que legal saber disso.
      Deixo um grande abraço e o desejo de que a partilha permaneça.

      • Rubervam Du Nascimento Reply

        Entrei em seu face Clarissa. Estou adorando te descobrir mais um pouco. Legal tua conversa no youturbe, num programa que esqueci o nome, com um copo de cerveja sobre a mesa. Posso chamar aquela porção de “néctar das deusas”? Muito dinâmico o teu trabalho em favor da divulgação poética. Preciso aproximar-me cada vez mais de ti. Para onde envio envelope com material meu? Envia para meu e-mail: rube.rv@hotmail.com
        Não desapareça. Tua poesia nos faz bem. Retribuo o abraço grande

  2. FABIO HENRIQUE GOMES BRITO Reply

    Muito boa poeta… acredito em sua poesia.

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