Livro ANDAR, ANDAR, Memórias do nunca mais, de Alfredo Guimarães Garcia

andarandarlivro 1 - Livro ANDAR, ANDAR, Memórias do nunca mais, de Alfredo Guimarães Garcia

Alfredo Guimarães Garcia, ANDAR , ANDAR Memórias de nunca mais. Editora Populivros. 2018

 
 

Andar, Andar, Memórias do nunca mais…

Por Silas Corrêa Leite

SILAS 300x300 - Livro ANDAR, ANDAR, Memórias do nunca mais, de Alfredo Guimarães Garcia

 

As contações das andanças do romance de estreia do literato Alfredo Guimarães Garcia.

“No passo da estrada só faço andar/Tenho o meu amado a me acompanhar/Vim de longe léguas cantando eu vim/Vou lá faço trégua sou mesmo assim/Por onde for quero ser seu par…(…)/Já me fiz a guerra por não saber/Que essa terra encerra o meu bem querer/Que jamais termina o meu caminhar/Só o amor me ensina onde vou chegar(…) /” (Beth Carvalho canta Andanças de Danilo Caymmi/Edmundo Souto/Paulinho Tapajós.

 

No premiado romance de estreia (Academia Paraense de Letras/Prêmio Georgenor Franco/Novela 2017), o literato Alfredo Guimarães Garcia já faz bonito e bota nossos pés, nossos olhos e nossas sentições na estrada de suas tintas de lonjuras, entre criações embonitadas e com jeito típico de “gente mais maior de grande”(como muito bem e bem moleque cantou Gonzaguinha), tudo no livro escrito entre cheiros, terras, lágrimas, purezas, em narrativas bem torneadas, e que assim como se põem a caminhar conosco na nossa leitura de, também quando fomos crianças; ou continuamos crianças quando escrevemos doces memórias para retrazê-las conosco, ou, por assim e então sabermos de outras tantas meninices também, muito além dos campos de lavanda dos sonhos, e com esse deleite nos sentimos em casa na leitura dessas andanças literárias.

-Ah nossa infância, nosso maior tesouro. O autor, escritor menino do já-hoje, capricha na contação ligeira, maviosa, e você embarca com ele nessa navelivro, só para ver o circo pegar fogo, o palco iluminado alumbrar-se, e você também menino de novo a sentir o favo de um contar feito um ouvi-dizer letral lá dele, nessa leção saradinha. Trilhas, saudades; a doce jornada do crescimento. O homem-menino bom de prosa, no esteio de toda uma carreira firmada nesse sentido, que o próprio currículo do autor tem histórias pra contar; sua vida mesmo daria um romance e tanto, e que agora desemboca aqui nesses causos costurados numa sequência que romanceia a longa estrada da vida… Escrever é isso, botar lume nos enlevos perigritantes do caminhar, nos cravos e rosas de caminhaduras, e com isso trazer nas palavras as idas e vindas desse sentir, desse pensar, desse pintar e bordar, a criar com esmero salutar, que é o que faz com estilo e talento o Alfredo Guimarães Garcia. A vida é uma pesada mochila de estrelas entre egoiscas e gafanhoutros, mais pirilâmpadas e bijutelíricas, mochila que como asa ou canga carregamos nas costas (depende do que dela fazemos de nós), nos nossos ombros largos, e vamo-nos indo a preenchê-la diuturnamente com nossas perdas e ganhos, nossas pedras e águas, nossas cantilenas e teares, nossos “voospássaros’, pois, assim como diz o poeta Carlos Drummond de Andrade, de que “o mundo não pesa mais do que a mão de uma criança no ombro”, afinal e por fim, compreendemos até mesmo em meio a jornada, que o importante é estar na viagem, não o fito que seja o inevitável terminar dela, e com que proposito seja afinal esse terrível verbo viver, e por que não dizer, escreviver? Entre as fantasias, os sonhos e as memórias, o romance Andar Andar… carrega sentimentos, foca vestígios de ausências, encrespa ilusões lavadas, cenas crivadas de existencialização pura e simples, pois, como diz Fiódor Dostoievski (in Noites Brancas),  “Sentimos que, por fim, essa inesgotável fantasia se fatiga, se esgota numa perpétua tensão, porque amadurecemos e superamos os nossos ideais antigos, os quais se desfazem em pó e desmoronam, e, se não existe outra vida, é preciso construí-la mesmo com essas ruínas. E, no entanto, é algo de diferente aquilo que a alma solicita e quer! É, pois, em vão que o sonhador procura entre as cinzas dos seus velhos devaneios pelo menos qualquer cintilação para lhe soprar em cima e aquecer com um fogo novo o seu coração arrefecido e nele ressuscitar tudo o que outrora era tão agradável, tudo o que lhe sensibilizava a alma, tudo o que lhe fazia palpitar o sangue, tudo o que lhe inundava de lágrimas os olhos e iludia de maneira tão magnífica! Vejo-me obrigado a celebrar o aniversário dos meus sentimentos, o aniversário daquilo que dantes me era tão caro e que, na realidade nunca existiu – porque esse aniversário se celebra sempre em memória dos mesmos tolos devaneios – e, em última análise, esses próprios tolos devaneios não existem, porque não há possibilidade de os extrair da vida: até os sonhos nascem da vida, não é verdade?”  – Escrever é a saudade brincando no parque infantil da infância pura, em que éramos felizes e não sabíamos?

 

8deAGOSTO 207x300 - Livro ANDAR, ANDAR, Memórias do nunca mais, de Alfredo Guimarães Garcia

Alfredo Guimarães Garcia

 

Sim, os sinos dobram porque da terra nascem os meninos que mesmo depois de homens trazem o menino numa mochila íntima, com uma alma de cedro e um sonho-talismã de campear ser feliz apesar de tudo… na mochila do eterno menino há muitas moradas… A moenda do tempo anseia por prosear labutas, bravatas, desejos e libertações. Afinal, quem elegeu a busca não pode recusar a travessia, disse Guimarães Rosa, o pai letral dos cafundós e dos sertões, canteiros e searas… A grande Viagem de existir… caminhar, peregrinar, vadiar, andarilhar, dar no pé – fugir! Fugir! –  é isso, sumo de sustância. Viver é só não ser fixo? Disse Charles Bukowski azedando a polenta da vida lá dele, a respeito pontundo issos e aquilos: “Vá para o Tibet.// Monte em um camelo.// Leia a Bíblia.// Pinte seus sapatos de azul.// Deixe a barba crescer.// Dê a volta ao mundo numa canoa de papel(…).//Mastigue apenas com o lado esquerdo da boca.// Case-se com uma perneta e se barbeie com uma navalha.// E entalhe seu nome no braço dela.//Escove os dentes com gasolina.//Durma o dia inteiro e suba em árvores à noite.//Seja um monge e beba chumbo grosso e cerveja.//Mantenha sua cabeça dentro d’água e toque violino.// Faça uma dança do ventre diante de velas cor-de-rosa(…)//Viva num barril(…).//Plante tulipas sob a chuva.//” – Tudo isso e tudo muito isso cabe na escrita, no escreviver, na palavra eivada de luz e de vida viçando descobertas e acontecências, entre humor, barulhezas, ironias, contencices e evoluções nesse contexto…

-“Há quem passe pelo bosque e só veja lenha para fogueira” disse um dos maiores escritores do mundo de todos os tempos, Leon Tolstoi. Pois Alfredo Guimarães Garcia como pensador, sentidor e escritor de carreira e belo currículo, trouxe-se de si esses tantos olhares, em tantos parágrafos que encorpam o livro ANDAR, ANDAR, Memórias do nunca mais, Populivros Editora, 2018. Com seu feitio claro e cristalino de gracioso entendimento do oficio de escrever com a alma-chã, sai assim almando ventos e rumos, prosopopeias e simplezas, tendo, na alma-chã pedaços de frutas, entre açúcares e sais, de um cantinho desse um menino, feito um mochileiro das palavras, e, assim e por isso mesmo, um peregrino andarilho de contações maviosas que vale a pena se entreter lendo nas andanças com ele. “Flor-de-ir-embora(…)//É flor que se alimenta do que a gente chora…” diz a toada de Fátima Guedes. Deve ser isso o andar… andar… memórias do nunca mais…

 

 

Silas Corrêa Leite – Itararé/São Paulo/Brasil/Planeta Vida – Professor, Escritor, autor de TIBETE, De quando você não quiser mais ser gente, Editora Jaguatirica, RJ, 2017. E-Mail:poesilas@terra.com.br

www.artistasdeitarare.blogspot.com/

Please follow and like us:
Be the first to comment

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial