eu derreteria esse holocausto mundial
ampliando a boca do meu vulcão
eu usaria meu magma
minha lava
minha menstruação
retiraria as crianças do entorno
deixaria escorrer essa mistura de ferro, água e níquel
eu ficaria por dias em erupção
eu pediria permissão aos meus ancestrais
e aprenderia a ser rocha líquida
reformularia as minhas pedras
depois esperaria por milênios
me sedimentaria
me acalmaria
me cristalizaria
eu me transformaria numa esmeralda
numa turmalina verde
num jaspe sanguíneo
eu seria um bom minério
um cristal com a ponta apontada
para o céu
procuro sentar no quintal do meu interior
e deixar o alicate de uma mãe velha
arrancar as farpas do meu passado
assim livro-me de minha arrogância
e deixo para os meus pés essa caipira tendência
de se pegar bichos geográficos pelo caminho
por andar espontaneamente descalça
deslizar feito um peixe pelas bordas da vida
e saber brincar
com a espinha dorsal do tempo
ser um rio em pé
dentro de um corpo aquático
e a dar cambalhotas
na própria imensidão
“eu derreteria esse holocausto mundial”
Sua poesia tem a simplicidade de Cora Coralina, a audácia sensual de Rita Lee e a revolta de Carolina de Jesus.