istmo
quando eu quase morri, havia pessoas à minha volta, elas não disseram nada, não fizeram nada, e não pude gritar. quando quase morri, minha voz virou um fiapo estrangeiro, e era áspero, e era triste, era terreno baldio. as pessoas que me rodeavam (havia pessoas me rodeando) não sabiam que eu quase morria, mas ouviram meu chamado. uma delas chegou a tocá-lo, aquele fiapo estrangeiro, irreconhecível, e o puxou, e o esticou, e o esgarçou, e minha voz era agora um istmo, deixou de ser território, nunca foi lar. quando quase morri, ninguém me reconheceu, e o último a sair não se preocupou em apagar a luz.
Vivian Pizzinga é psicanalista e escritora. Lançou Dias Roucos e Vontades Absurdas (contos, 2013) e A primavera entra pelos pés (contos, 2015), além do romance epistolar Extravios, em parceria com Igor Dias (2018), todos pela Editora Oito e meio. Faz Doutorado em Saúde Coletiva.
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