Marcos Siscar vive atualmente em Campinas-SP. É poeta, tradutor e professor de literatura na Unicamp. Publicou, entre outros, os livros Metade da arte (2003), O roubo do silêncio (2006), Interior via satélite (2010) e Manual de flutuação para amadores (2015)
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Há várias páginas a atravessar para chegar aqui. As páginas são como prisões que se abrem. Há o tempo de atravessá-las e novamente vejo você de perto. Seu pescoço visto de perto. A gota escorrendo pela nuca. O cabelo despenteado. O capim no fundo. Os capins são como cabelos. Os lábios cheios de lábios. Agora a face vista de lado. Os cabelos de novo. Os ombros nus. O vento soprando no capim. Os olhos que prometem aquilo que desejam. O suspiro o gemido o grito. A gota de saliva no canto da boca o músculo a gordura e a tez. Uma gota de suor que escorre pela nuca. Há várias cenas a cruzar para chegar até você. Entre esta e aquela a travessia é longa mas não importa. A vida é o tempo que levei para chegar até aqui.
Brecha
a transparência do ar o sangue escorrendo
as palavras fazendo todo sentido
diante de nós do lado de fora tudo é simples
absolutamente simples simples assim
e o que de mais simples que a paixão?
o incomensuravelmente simples
gostaria que tudo fosse mas se tudo fosse
algo haveria? a simplicidade é o que queremos
é tudo o que queremos – mas quem somos?
é tudo o que há de mais improvável
entre nós e para nós
Pietà escultura
o mundo do seu corpo é pedra anunciada
em todos os quadrantes sopra o vento
nas colunas correm línguas sobre as folhas
você inerte não se move por dentro
nenhum corisco ou calafrio apenas porte
dimensão alcance poderio de pássaros
não passa de matéria rígida para quem sofre
mas encena a paixão para o passante distraído
suas mãos o chamam
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