“Luana diz que Deus é o homem que morde sua nuca numa noite de sorte.” – Três poemas de Ingrid Carrafa

aingrid - "Luana diz que Deus é o homem que morde sua nuca numa noite de sorte." - Três poemas de Ingrid Carrafa

 

 

 

Eu sou o ebó despachado na encruzilhada com pedidos de amor

sou os piolhos da cabeça de Rimbaud

o ópio de Baudelaire

a paranoia de Piva

Eu sou o tremor das pernas ao se aproximar o orgasmo

e a marmita estragada dos presídios superlotados

sou o dar de ombros da puta desenganada

e os boquetes desalmados

Eu sou a úlcera sangrando lentamente

Sou o pus de uma sutura mal feita

Sou a tuberculose que matou João da Cruz e Sousa

Eu sou o empréstimo feito para bancar a publicação do livro

os bens vendidos

o nome sujo no serasa

Eu sou a solidão que calou Florbela Espanca

sou a boceta querendo ser fodida

o cuspe e as chicotadas em uma sessão de sadomasoquismo

eu sou

eu

sou

o cataclismo de um corpo afetado pela poesia

 

 

Luana é uma alcoólatra agora.

E seu rosto tem aquela expressão dura de pessoas que flertam com cocaína e solidão.

E eu fico triste porque ela é tão linda e tão doce.

Agora ela deve estar escutando Maysa, sozinha em casa buscando a “magia” e o amor que tanto almeja através da garrafa de martini.

Luana diz que Deus é o homem que morde sua nuca numa noite de sorte.

Luana chora abraçada a garrafa.

Ela sabe

que

“Primeiro, o amor

depois, o desencanto

e o resto de nossas vidas”

Ela sabe que o amor é o lembrete da beleza que frequentemente acompanha a destruição

Ela foi empurrada até a beira da solidão e caiu

quando escalou de volta percebeu que o seu mundo nunca mais seria o mesmo

 

 

No meio da multidão, o que não havia morrido

Cercado por tudo que já mataram,

Sua lágrima era uma ilha

Deslizando no oceano da cara.

 

 

Ingrid Carrafa nasceu em Vitória (ES) em 1989, é atriz e poeta. Tem poemas publicados em antologias e revistas literárias brasileiras.
Em 2017 participou de um projeto português em conjunto com artistas-mulheres de vários continentes. Seus poemas viraram tema de TCC. 
Publicou os livros de poemas “Entre rosas e abismos” (2015), pela editora Penalux; “Não joguem pedras na Geni” (2016), publicação independente.
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This Article Has 1 Comment
  1. Mônica Ribeiro Reply

    Belíssimos poemas. Íngrid é grande.

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