METAFÍSICA PELOS DENTES
Arrasto a dentes
esses meus dias pelo mundo.
É com eles,
com sua inabalável verdade,
que considero a medida de minha fé.
Só conheço esse deus
(e seu canto calcário);
o resto é essa lúcida alegria
de saber que tudo é inútil
e, ainda assim, seguir gritando
“esta necessidade
de humanidade
entre nós
que como lâmina
nos fere
e urra
estrondosamente.”*
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(*Webston Moura. Encontros imprecisos: insinuações poéticas)
[do livro Metal sem húmus]
*
DOS PEDAÇOS DE MADEIRA DE DEUS
I.
Principio meu mundo
com os restos de madeira de teu deus –
talho minha lira
da humanidade
desse já quase-húmus.
Gosto de sonhar o impossível
pelo possível dos pedaços.
II.
Nada é belo
que não carregue em si
os restos da própria nascença:
uma pobre morte particular
para um dia sem ênfase –
em que talvez um violino
console um pássaro só.
[do livro Metal sem húmus]
*
Questão à roda dos sábios
Meus poetas diletos
não andam em moda.
Na Roda dos Sábios,
suas pedras-palavras,
suas máquinas-de-húmus
já não gozam estima.
E mais:
meus poetas diletos
foram embalsamados
pela Roda dos Sábios –
restaram seus ossos
em dogmacídio asséptico.
Que faço, eu, agora,
com minhas gozozas
“leituras luteranas”*
de meus diletos poetas?
– Decapita os Sábios.
Responde-me um bruxo
sírioórficozombador.
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(*Waly Salomão. Pescados vivos)
[do livro Aridez lavrada pela carne disto]
*
O linho que amarelece o tempo
1.
Eu amava a casa de meu pai.
Não suas paredes cuidadas,
seu piso lavado, sua cor comum e limpa:
amava as coisas guardadas por seu nome.
Amava os retratos respeitados às paredes,
a mobília tranquila e sóbria,
o cheiro cada qual das horas.
Amava a poeira silente
sobre os livros,
o gesto pacífico de meu pai
ante eles.
Amava as vozes que perdi
e as palavras que não disse.
Amava no amor contido que devia.
Amava sem o nome para a coisa amada
(o amor não se diz quando há).
Amava os dias habitados
(os que habito na memória de que me visto).
2.
Mas não amava
(o amor não se diz quando há;
o amor é depois).
A casa que amo,
por que amo,
não pode ter havido
como amei.
O que amo é meu
(eu sou seu deus, seu pai e seu filho).
Não sabia
(quem o sabe ao tempo que devia?)
que
“o amor aumenta
[talvez só exista]
com a amarelecimento do linho”.15
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(*Al Berto. O medo: trabalho poético)
[do livro Aridez lavrada pela carne disto]
*
EXPLORAÇÃO AO REDOR
A poesia nunca pôde ser um canto:
seu dizer é uma exploração
ao redor,
e é um latejo
ardendo de dentro
do veio,
é essa “viagem
da mão a seu duelo”,
é palavra que encosta
“o amor e a pedra”.*
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(* Roberto Juarroz. Poesia vertical (antología))
[do livro Como cavalos fatigados abrindo um mar]
* * *
MINIBIOGRAFIA
DÉRCIO BRAÚNA [1979] é cearense, de Limoeiro do Norte. É bancário e historiador (mestre e atualmente doutorando em história social), com estudos sobre as relações entre história e literatura. É autor de obras poéticas (O pensador do jardim dos ossos; A selvagem língua do coração das coisas; Metal sem Húmus; Aridez lavrada pela carne disto; Como cavalos fatigados abrindo um mar; Escrevivências); contos (Como um cão que sonha a noite só) e estudos historiográficos/literários (Uma nação entre dois mundos; Nyumba-Kaya; A assombração da história; Sociedade dos poetas vivos).
Quanto conteudo de qualidade encontrei aqui no site. Agradeço por compartilhar. Sucesso
Amanda, obrigado!