[1] Douglas Oliveira
Antes de tudo, o que proponho neste escrito é que voltemos no tempo;não muito longe, também não muito próximo dos dias atuais. Regressemos ao tempo em que aprendemos a nos comunicar. Como nos tornamos narradores do cotidiano? As primeiras palavras surgem do observar, da tentativa de repetir o som que nos chega aos ouvidos. Todavia, como aprendizes verbais que somos, falhamos, extraordinariamente, em nosso experimento de conversar com o mundo. Ora, adiantando a linha do tempo, com a prática da observação e repetição tornamo-nos, por fim, filhos da língua que habitamos.
Ao experimentarmos as diversas formas de comunicação, descobrimos novos mundos, dentre eles, o da fantasia. Damos voz à imaginação e, indiscutivelmente, conferimos deste modo, vida aos personagens que amadurecemos dentro de nossa concepção de narrador.
A estreia do escritor paraense Filipe Nassar Larêdo na literatura contemporânea anuncia a soma de elementos indispensáveis para um bom livro. Sua obra “A cabeça na cama”, publicada pela Editora Empíreo, apresenta-se dentro do gênero Neofantástico/ Tragédia/ Nonsense, um romance que, decerto, dará o que falar entre os leitores. Antes que eu esqueça, não espere desta resenha um resumo da obra. Não, isto não é um resumo literário, isto é uma resenha baseada nas impressões obtidas a partir da leitura do livro.
Aprendemos que para haver comunicação é necessário que existam dois elementos indispensáveis para que a mensagem seja compreendida, o emissor e o receptor. Eis aqui um ponto fundamental – ousaria dizer divisor “de águas” –, do livro. O emissor (narrador) primário e o derradeiro. Temos, ao iniciarmos o livro, as primeiras impressões de um narrador indisposto na descrição de seu personagem, o “impressionante” Tomás. Coloco entre aspas o adjetivo porque, deveras, o personagem é a peça principal na obra de Larêdo.
Durante a apreciação do texto, não foram poucas as vezes que Filipe Larêdo utilizou-se de recursos propositalmente cansativos, atrelados à voz de seu narrador. Ora, como pode uma história cansar-nos logo nas primeiras páginas? Simples, basta o narrador nos fustigar a mente com suas descrições tediosas. A princípio– isso parte de uma análise pessoal-, Tomás traz em si a insípida característica do personagem “mascarado”; em verdade, o narrador nos envolve em uma dissimulação linear no que tange à descrição da vida de Tomás. Por vezes cansei-me ao saber da vida, lindamente perfeita, do bem afortunado Tomás. Então, eis aí, a perspicácia do escritor estreante.
“A cabeça na cama”… Pronuncie a si mesmo este título.
As histórias que envolvem o neofantástico/nonsense costumam apresentar a característica do irreal, daquilo que foge do palpável, e o escritor que não está habituado com o gênero corre o risco de fracassar em sua jornada. A obra de Filipe Larêdo nos mostra o oposto. Para um estreante, podemos dizer (sim, vocês leitores, e eu) que a obra traz a qualidade literária necessária para que se faça jus ao gênero.
Enganei-me, por várias páginas, com a intenção do autor em cansar o leitor, em fazer com que o mesmo nutrisse por seu personagem a cisma de um homem ordinário. Pobre Tomás [ou diria, pobre de mim], refém da sua própria voz.
Ressalto, depois de alguns parágrafos, que Tomás é o narrador da própria vida.Digo desta forma, que Filipe Larêdo é duplamente “proditório”, induz ao julgamento precipitado de que seu personagem-narrador é um homem fraco, com voz frouxa, por vezes vacilante.
Imbuído pela voz dissonante do narrador, entramos num gargalo criado pela dúvida, amor e ódio, ao personagem e sua trama, e mais uma vez eu repito, só desperta tais sentimentos e inquietações o narrador que sabe o que está fazendo.
Busque em sua memória o tão famoso bentinho, personagem-narrador do escritor Machado de Assis. Lembre-se de suas palavras e observe se, em algum momento, não te sentiste enganado pelo ciumento Dom Casmurro. Temos, após um século de sua publicação, a universalidade da obra sendo ainda discutida, tudo isso, graças ao artifício do narrador não confiável.
Certamente, “A cama na cabeça” é uma obra inquietante, traz em sua proposta a estratégia de prender o leitor através do narrador não confiável. A trama, também, apresenta sua originalidade, principalmente no desfecho do livro, mas isso é coisa que o leitor saberá somente ao ler a obra de Filipe Nassar Larêdo.
A cama na cabeça estreia com força e robustez, mostrando que a literatura produzida pelo autorparaense alcançará voos cada vez mais altos.
[1]Douglas Nélio Lima de Oliveira é arquiteto e urbanista, escritor paraense, vencedor do Prêmio Dalcídio Jurandir, promovido pela Fundação Cultural do Pará, no ano de 2017, com o romance Histórias de Chuva. Colaborador nas Revistas Aspas Duplas e Literatura & Fechadura. Mantém ativo o blog Folheando Resenha, onde indica a leitura de livros que julga importante ao leitor, é também editor da Editora Folheando.
Gostei muito desse site. Parabéns pelo trabalho 🙂