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Se você estiver sem rumo de escrita na noite,
pergunte a direção para o dono do bar
Ele dirá que se pode ir para cima
e para baixo
no querer tudo na profundidade do momento de fechar os olhos
na direção da luz, que vem da porta do castelo das musas
que ensinam a vida e a morte
sobre um lençol de alumínio
num rascunho de uma esquina
num som de rock
numa cerveja barata
Ele talvez diga que se pode chegar até o encontro das palavras
com os beijos das luzes vermelhas e amarelas piscantes
fora de horário combinado para o conhecimento anônimo no banheiro feminino
mas
via de regra
advertirá que é identificando os inimigos que se escolhe os amigos
e
se sentir em outro lugar
é só reflexo do olhar enganado sob a lua
Noite tem todo dia
E errar é uma paixão que deixa um pé de sapato vazio de nada de tudo
na esquina do meio da rua
sem revisão
na porta do bar
que nunca se fecha
para palavras perdidas.
Do livro “Para onde vão os sapatos” – edição do autor – 2017
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Corta. Deligue a luz, se for caso, mas não deixe a poesia acabar na imagem da porta fechada, numa imagem de santo ou no oco da lâmpada apagada. Acenda uma vela para orientação entre os riscos dos recortes das palavras
no vento de janela
Pense no som da caneta
uma TV fora de sintonia
ou no som de jornais espalhados pelo tapete
pegadas de astronautas seguindo as do Papai Noel
Cola
Lembre-se das virilhas ruas
dos vermelhos gemidos e do abismo da porta aberta que não podemos trancar com os pedaços
recortados
de nossas
palavras
Do livro “Para onde vão os sapatos” – edição do autor – 2017)
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O céu não está longe, mas o inferno é bem mais próximo. Os poetas viajam desatentos aos sinais de indicação de retorno ou de parada, só lhes importa a descoberta de novos rumos do eterno prosseguir. Não há céu e nem inferno que possa satisfazer esses seres incontidos e libertários nos destinos desta cidade. Queria desistir de São Paulo e de seus quadris, mas a enganação de me permitir sair, quando você se levanta de mim, repete-se e repete, até que toda a energia para partir vira pensamento vago, uma calma, uma paz passageira que permite a realização espiritual de recriar seu corpo no escorrer da língua úmida sobre a delicada superfície da pele para criar um desenho perfeito de edifícios, seios, praça, umbigo, ruas e virilhas, com perfume do cheiro do calor mormo dos pelos nus que brilham no movimento do reflexo da luz da janela. Você se agrada vendo minha pintura sendo desenhada através do espelho. Ouço o ritmo que justifica a força de suas coxas macias e o vermelho de suas unhas passeando em seus lábios umedecidos pela alquimia da língua. Tudo da cidade nos quer em ato, fato e fruto da noite com suas luzes distantes e trêmulas permitindo a revelação da contração de seu ventre, que se contrai, vez ou outra e outra vez, como se a filosofia fosse querer transformar-se em fantasia e te libertar dos gemidos para a linha do horizonte. Fico a olhar, ainda ligado a você, através da leveza de uma linha de um balão de gás iluminado pelo fingimento de ser lua. Só nesse ponto, foi possível ouvir a música que aquele saxofonista tocava. Era a música de uma dor por um amor que caía refletido num abismo de vidros translúcidos. Eu tentei ir embora, mas voltei porque me lembrei do seu zíper aberto que eu, ainda, não tinha fechado.
Do livro “Para onde vão os sapatos” – edição do autor – 2017
BENEDITO BERGAMO
Sobre mim, além dos satélites espaciais: Vivo e existo no centro de São Paulo e um pouco mais de noite. Editei meus últimos 3 livros: Ziper da Cidade (2012); E ou poesias (2016) e Para onde vão os sapatos – prosa poética (2017). O primeiro livro de poesia, Gaveta vazia, foi publicado pela Scortecci em 1989. Sou participante ativo da soma de poetas na divulgação da poesia em Saraus e promovo com outros poetas e artistas o Sarau, quase mensal, dos dos Achados e Perdidos nos bares da Praça Roosevelt desde 2016. Seus livros só serão encontrados no Bar do Fabinho e do Amigos do Zé na Para Roosevelt (tem espaço nos bares para livros) e na Amazon em formato e-book.
Que diabo de gesto é esse Benedito que simulam teus dedos? Não é o que estou pesando, não? Dá pra clarear as coisas? Penso que, neste momento, como poetas, como artistas, precisamos assumir posição, não ficar em silêncio, diante do que estão fazendo com este combalido país. Pra onde vão os sapatos é um título do carai. Gostaria de conhecer melhor teus escritos.