Tempos verbais
Cronos
As horas que do espelho te devoram
desfilam fiando fino fio contínuo
no tecido do rosto em teias capturam
o mistério do vivo em torno dos olhos
Kairós
quando teu sopro se instala
no instante
dilatação desse instante
no quando
o tempo numa bolha de sabão
Tarda
Era uma vez uma tarde.
(Isso tem muito muito tempo,
foi no ano sem graça de 2013,
isso foi em agosto, mês de desgosto.)
Lá longe bem longe,
lá onde a cidade azula no horizonte,
atardou-se uma vez
uma tarde.
(Isso foi no tempo da ira semear,
isso foi na revolta dos três vinténs,
isso foi na hora de atirar nos relógios.)
Entre tantos,
atravessamos a tarde
tardando
na barca sobre a baía.
(Depois disso muita coisa mudou,
e a coisa pública ficou pior.)
Mas essa tarde tarda ainda:
virgem dos lábios de mel
e dos cabelos mais negros
do que as asas da graúna.
Patrícia Lavelle nasceu no Rio de Janeiro, é professora do Departamento de Letras da PUC-Rio, atuando no Programa de Pós-graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade. Doutora em filosofia pela École des Hautes Études em Sciences Sociales de Paris, onde morou entre 1999 e 2014, tem livros de ensaios publicados na França e no Brasil. Como poeta, publicou Migalhas metacríticas (7Letras, coleção megamíni, 2017) e Bye bye Babel (7Letras, 2018). Bye bye Babel obteve a primeira menção honrosa do Prêmio Cidade de Belo Horizonte, edição de 2016.
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