Cuidado!
A arte está sendo caçada
Dentro de pouco tempo,
Todo mundo será artista.
Dentro de pouco tempo, ninguém mais vai dizer:
[eu tenho felizmente o dom de um deus.
Dentro de pouco tempo, tudo será muito fácil
E vão morrer muitos
Ficarão para trás muitos
De braços caídos ao longo do corpo
A cabeça quase ao chão e o caminhar para frente
[acompanhando a massa
Dentro de pouco tempo, estes pobres coitados serão todos mortos
E, antes disso, eles vão querer ser como todos e vão berrar e implorar
[para aprender a ser medíocre
[para aprender a dar valor a coisas bem mundanas..
E vão querer saber como é ser igual, ser normal, ser alguém
Ser mais um.
Incapazes
De aprender seguirão berrando
Sendo pisados, maltratados, ridicularizados, traídos,
Nem vistos.
Yellowbird
Muitas palavras poderiam ser bem ditas
[se não fosse o embaraço na língua,
[a dor na cabeça e a comichão nas costas
E se além disso eu tivesse uma faca no peito
[eu a forçaria
[para dentro e lá encontraria
[uma enorme poça de sangue roxo donde brotariam
[pássaros amarelos, sim, pássaros amarelos;
E todos trariam uma papoula na mão.
Sim, na mão, por que não?
Já viram pássaros sem as mãos?
Pois eu digo que existem sim, os pássaros com as mãos;
E, mais do que isso, eles todos têm papoulas em seus bicos.
Sim, são canários a que me refiro.
São gordos, bem gordos
tais canários
E estão presos
Não em gaiolas
Estão pintados num quadro.
De volta ao quadro, tem nele um menino de olho arregalado por cima da mãe
[morta.
De volta aos quadros, vejo neles um negro profundo
Um vinho bem perdido
É um túmulo.
De volta aos quadros
Presos neles todos os ditos e feitos
De todos os mundos perfeitos.
in Brindei com mão serenata o sonho que tive durante minha noite-estrela…(Imprimatur/ 7 Letras, 1998)
O silêncio é gelo, pedra branca,
parede cinza, companheiro.
A guimba no cinzeiro
não é mais que o quarto vazio,
uma voz que não é palavra.
É sincero desamparo a vida
conhecida sem mistério ou alarde
O nome é angústia
Nenhum poema, nem nada
aquieta-me a alma.
Sentimento não raro, não claro,
muito plúmbeo, ora devasta-me.
Poderia da angústia o nome
reduzir cela tão árdua, tão funda,
em último gesto de quem me devora?
in Leão lírico, (edição da autora, 2009)
Não tente tocar o sonho
está muito próximo de você
***
O silêncio está me ensurdecendo
***
Os pensamentos tentam silenciar
o silêncio nada silencia
***
Deus não é uma pessoa. Deus é a folha.
***
Amo os sapos
A superfície meio lisa dos sapos
Amo os sapos
O som meio líquido dos pássaros
Amo os sapos
O som meio histriônico dos sapos
Amo os sapos
O som e a energia dos pássaros
Amos os pássaros
O som e a energia do espaço.
***
Deram-se por vencidos os inimigos
Nós os rendemos
Os escondemos e dissemos
Que o perigo nós havíamos destruído
***
Um estado constante de saturação da imagem
O silêncio como contorno da mão (Selo Orpheu, 2011)
Elaine Pauvolid nasceu em 1970 no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha. Poeta e artista visual. Utiliza vários meios como pintura, fotografia, escrita e vídeo. Publicou três livros de poesia. Participou de exposições coletivas e realizou sua primeira exposição individual em 2015
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