Artista Visual, psicoterapeuta e poeta, nascida na cidade de São Paulo, onde vive e trabalha. É pós-graduada em Psicologia pela Unicamp e em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes.
Em sua pesquisa a artista utiliza os meios digitais como ferramenta de criação e ponto de partida para desenvolver instalações, realizar intervenções, produzir imagens fotográficas e videográficas, assim como livros e objetos. Mais recentemente vem pesquisando as relações entre a palavra poética e imagem, expandidas no espaço.
Já realizou exposições individuais na Capital e interior de São Paulo e participou de várias exposições coletivas no Brasil. Como participante de movimentos de Arte Postal, teve trabalhos expostos na Argentina, Chile, Espanha, Venezuela e Suécia. Participou de duas edições da Feira Tijuana de publicações e é integrante da Cooperativa da Invenção da Casa das Rosas.
Tem poemas publicados na Revista Gente de Palavra de Porto Alegre, Revista CTRL+Verso do Centro de Estudos Haroldo de Campos – Casa das Rosas e lançou seu livro “o feito afaga o gesto” pelo Edital do Proac – para Livro de Poesia Estreante/2017.
www.ritabalduino1.blogspot.com.br
FERNANDO ANDRADE – Nos livros coisas de fazer e coisas de crer uma muito interessante dualidade entre ação física mediada pela via material tanto da escrita no primeiro poema como pelo acesso da ação via natureza como no poema Eu absurdo, e os poemas do outro livro que mediatizam a relação do eu com questão da epifania do afeto aqui tanto numa modalidade religiosa como filosófica da relação do humano com o meio circundante. Pensando um pouco nestes dois livros a linguagem poética onde se escava o interior das coisas, estaria mais próxima das coisas de crer ou de fazer? e Porquê?
RITA BALDUINO – Em Coisa de Fazer há uma ênfase na escrita em primeira pessoa, talvez mais do que nos outros cadernos. Estes poemas são frutos da minha experiência na produção artística, que implica num fazer sensorial e suas relações com o feito. São coisas que nasceram do embate entre a mão e olho, numa dimensão onde a palavra e o fazer são, ao mesmo tempo, ação e expressões da ação. Lembrando Gaston Bachelard: precisamos compreender que a mão, assim como o olho tem seu devaneio e sua poesia.
Já Coisa de Crer se aproxima daquilo que nos falta existencialmente. É sobre aquele pedaço da nossa humanidade que é feito de vazios e de ausências. Um campo de possibilidades para lidar com o que nos é dado de forma inacabada, incompleta e também finita, como a própria vida. Neste sentido, as coisas de crer são tão naturalmente humanas, quanto as coisas de fazer e de falar.
Por isso acho tão difícil escolher em qual dos lados da dualidade, que você mencionou, colocar a linguagem poética, pois, no meu modo de ver, ela atravessa todas as coisas dependendo do jeito de olhar. Um simples gesto, como o de folhear as páginas de um livro, por exemplo, pode ter um caráter poético, pois nenhum gesto, nenhum feito, nenhuma palavra se resumiria a um signo totalmente legível, com significação precisa, sem perda para a subjetividade humana.
FERNANDO ANDRADE – No livro palavras de olhar há uma enfase no elemento visual da palavra, conceitualizando uma espécie de tipografia da palavra, já que ela estaria associada mais ao estrato do papel onde a poesia se fixa. Paisagens também absorve desta espacialidade visceral mas lida com mais o aspecto do eu ao entorno, da relação espacial do corpo como o meio ambiente os meios de transportes ( as vias) neste livro a própria palavra vira processo de permuta com o entorno. Você acha que a relação espacial onde o poeta trabalha a palavra em suas aproximações e lonjuras ajuda na mediação do (ver)bo ao olhar?
RITA BALDUINO – Há uma constante troca entre palavra e mundo, entre mundo e sentidos. Assim, vejo o entorno/paisagem não como um lugar inerte, mas como campo de trocas. Um campo de trocas de palavras inquietas, que nunca darão conta de tudo que vemos. Vias como lugar de passagem ou como olhares passados?
O poeta é um olhador e a poesia é um desvio do olhar. Pelo olhar poético se perscruta o entorno tentando ultrapassar o visível em busca de paisagens que se encontram por detrás dos olhos e abaixo da pele.
Esta forma desviante de olhar o entorno é o que mais importa nesta relação espacial. Quando saio caminhando ou mesmo andando de carro pela cidade, que é onde passo a maior parte do tempo, deixo o olhar flanar até ser capturado por um detalhe ou por um espanto. Às vezes imagino uma mudança de perspectiva: o que vê o topo do prédio ou a raiz da árvore? Me visto de olhar e faço estas trocas de lugar enquanto caminho.
FERNANDO ANDRADE – A terceira pergunta priorizo o livro coisas de falar onde a linguagem é matizada em suas derivantes formas como o silêncio uma forma de linguagem sem signos? A poesia como elemento de ocultação do material da visualidade do corpo semântico e gramático. A palavra aqui calcada tanto na expressividade do conteúdo como no ruído da mensagem como no vão do silêncio. Aqui retiro esta pergunta para o nosso mundo atual em rede e faces, como perceber a palavra diante de tantos acúmulos semânticos?
RITA BALDUINO – Nas brechas. Vivemos no tempo da aceleração da vida cotidiana, da indiferenciação e de anonimatos narcísicos, onde o termo comunicação foi subtraído (apesar da multiplicação de seus meios) por informação de superfície. Em tempo de redes sociais e www não falamos, escrevemos. Não lemos, passamos os olhos. Não há tempo para debate de ideias, apenas para declaração de opiniões. O barulho pode ser tão ensurdecedor que a comunicação fica soterrada.
Contudo, não quero “satanizar” a realidade das mídias sociais e do mundo digitalizado, como se quisesse retroceder para o tempo de sua inexistência. Este é nosso tempo, nossa realidade líquida e sempre haverá espaço para uma reflexão sobre ela, principalmente por parte daqueles que não nasceram na era digital. Ainda estamos aqui para trocar experiências sobre outras formas de relacionamento presencial ou mesmo virtual; ainda estamos aqui para lembrar de profundidades, de tempo longo e de silêncio calmo (como pode ser difícil ficar diante de outra pessoa sem nenhuma palavra para trocar, só olhar e respirar!).
Acho que esta é uma contribuição que a geração pré-internet pode deixar para os já nascidos na era digital, pois vivemos tempos de novas tensões e novas contradições (cada tempo tem as suas) e é diante deste atrito que brechas se fazem.
FERNANDO ANDRADE – O último poema do caminhante é um poema sobre a pedra, um admirável elemento de potencial poético, por que você o botou no caminho?
RITA BALDUINO – São tantas pedras que encontrei pelo caminho! A mais famosa veio de Drummond, mas tem também as de Cora Coralina que “entre pedras que me esmagavam levantei a pedra rude dos meus versos”, ou as do poeta português António Ramos Rosa que “com palavras de vento e pedras, inventa o vento e as pedras, caminha um caminho de palavras”, ou ainda a Educação pela Pedra de João Cabral de Melo Neto: “…lá não se aprende a pedra, lá a pedra, uma pedra de nascença, entranha a alma”.
A pedra tem mesmo este grande potencial poético. Coloquei minha pedra no fim do Caminhante porque no meio… “haja passos para tantas ruas duras, rachaduras nas paredes, ranhuras pelo chão” . Minha pedra é leve, e levada com o vento da imaginação. Minha pedra é amuleto de proteção com o qual caminho, apesar.
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