Romance Paralisia testa os limites da narração ao (não)condicionar uma vida ao peso da memória

 

Por FERNANDO ANDRADE

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O que se pode guardar de uma pessoa excetuando a lembrança dela, quando não se faz mais presente. Classificações já se fez para catalogar alguém, olhando de perto ninguém é normal, já dizia Caetano. Micro ações; micro realizações dão conta de uma biografia, pois é nos pequenos eventos e diminutos acontecimentos que o humano absorve a existência sua e dos outros.

Se a psicossociabilidade explica certos traços e personalidades, podemos dizer que não dá para nomenclaturizar uma pessoa, catalogá-la assim ou assado. A literatura desandou a ideologia tanto de gênero como uma posição partidária. Qual é o verniz ou viés ideológico de um personagem de romance? Kundera fez em seu Insustentável leveza do ser, criar seus personagens tão livres e sem amarras ideológicas, cabendo à Teresa o grilhão do ciúme e o apego ao afeto. O romance deve ter sua leveza, ter na sua condução, um motorista easy rider.

A vida é peso, e o personagem tem sua largura para flutuar acima do globo terrestre, por isso não irei condicionar um fardo ao personagem Jofre do livro de André Nigri, um belo romance chamado Paralisia. Condicionantes esta palavra tanto pode ser usada numa vida presa aos relacionamentos familiares, ao deveres sociais de trocas, como exercício laboratorial de personagens. Há que dar peso à um bom. Há que isolar da sua trama, um traço de maniqueísmo pois o romance é uma barca à solta na tempestade da linguagem, portanto, normatizar destinos não é conveniente. André diversifica em práticas narrativas o olhar sobre este homem que parece estar atolado em paralisias. Suas ex-esposas ou ex-namoradas, narram sua experiência com ele. Dados como o pai agia com ele, só enrijecem o leitor a olhá-lo com comiseração.

Ao romance devemos torná-lo etéreo, cuja malha seja quase uma rede sem fios demasiados que pesquem demais o sentido do personagem. O escritor coloca no feminino, vozes todas de uma compleição de como Jofre agia; embora com certo machismo, ele tende a fixar suas angústias em processos de fixação da memória como os livros que ele não se desfaz de forma nenhuma.

Podemos dizer que Tomaz, do livro do Kundera por ter duas mulheres ao mesmo tempo, seria um homem dominador? Mas Jofre se acalma e parte com sua nova mulher para um sítio onde monta um hotel de cachorros. Tem um certo horror à ver uma mulher parindo uma cria, aqui nas questões de gênero poderíamos discursar sobre este aspecto de não ter uma boa relação com a gênese humana. Aspectos de personalidade não são imiscuídos de uma trama. Porém, não podem servir de uma avaliação biomédica ou psicanalisada, apenas, por que o personagem está milimetricamente vivo em cada poro da existência ficcional. Ele é um pêndulo que funciona de acordo com a regência interna do seu autor.

 

 

Fernando Andrade é jornalista, poeta e crítico de literatura. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel. Participa também do coletivo Clube de leitura onde tem dois contos em coletâneas: Quadris no volume 3 e Canteiro no volume 4 do Clube da leitura. Colaborador no Portal Ambrosia realizando entrevistas com escritores e escrevendo resenhas de livros. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e Meio, Lacan Por Câmeras Cinematográficas e Poemometria, e Enclave  (poemas) pela Editora Patuá. Seu poema “A cidade é um corpo” participou da exposição Poesia agora em Salvador e no Rio de Janeiro. Lançou em 2018, o seu quarto livro de poemas A perpetuação da espécie pela Editora Penalux.

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