EU, PALHAÇO
Como um louco eu me enfeito:
Espelho de palhaço eu sou!
Caí de um circo que por aqui passou
E fiquei em mim.
Deixei de querer ser outro
E virei esse mesmo reflexo de quando nasci –
O avesso de um bordado que ninguém vê.
Encanto de cores alcalinas
Decapitando a normalidade adquirida.
Sou um verão que nunca quis ser estação,
Mas brinca feliz no calendário ensolarado
De janeiros.
O INTERMINÁVEL DIÁLOGO
As paredes da velha casa saqueada
Conversam entre si coisas de solidão.
E no diálogo monótono e tenso
as palavras moribundas se retraem
E se viram pelo avesso,
Como se desejando dar um fim
às suas missões ainda inacabadas.
Dói a desistência ao nada.
Dói a carência exposta a um branco doente
E às fendas do chão como um mau-agouro
Esperando por uma queda feito as bocas abertas da morte
Prontas a engolir um resto de sorte
Quando se aposta a vida e tudo se perde.
As paredes da velha casa e as palavras digladiam-se.
Sem fé e sem fome.
Como fantasmas presos num palco vazio:
Sem luzes.
Sem arte.
Sem nome.
SOBRE AMOR E MACIEIRAS
O Amor é um sorriso sem dentes
Olhando para uma maçã.
Há de se cortar as gengivas.
Há de se despedaçar os lábios.
Há de se misturar os vermelhos
E manchar o branco da polpa
Com tinta que saliva não tira.
E quando a dor exceder-se à fome
Há de se decepcionar.
E se engasgar.
E se arrepender.
E pedaços inteiros de ‘nunca mais’ regurgitar.
Mas ao fim de tudo há de se buscar as sementes
Com a ponta da língua.
Para plantá-las num vaso
Sem ninguém ver.
Viviane Barroso, 39 anos, carioca.
Escritora, filósofa, artista plástica.
Autora de Divinos Conflitos, pela Editora Penalux.
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